"Na vida de bons cidadãos
Ruas iluminadas roupas limpas
Nada parece ser como é..."
Frase de Rodrigo Lima (não o que vos fala, claro, mas meu
célebre homônimo canhoto).
Como bom destro que sou, ando sempre impoluto, imberbe e com
sapatos italianos. Os transeuntes que cortam meu caminho, provavelmente, não
sabem nada sobre minha vida pecuniária, deve ser por isso que, alguns deles,
perseveram nas tragadas do meu Dunhill
Carlton Blend. À um tipo ou outro (mulheres bonitas, principalmente) não
faço muita cerimônia, mas com indigentes, desprovidos de CPF e fétidos, a coisa
muda de figura: não me resta saída, uso o dispositivo do avulso: “não tenho, cara. Comprei avulso”. Esses dias um deles me falou: “então me dá o seu”.
Qual o escopo da psicologia social, senão vitimizar os
desamparados pelo dinheiro público? O capitalismo não pune ninguém, apenas
exclui e derrota os preguiçosos.
Numa situação de total inassistência, acho que o suicídio me
cairia como o único método de egresso. Mas, além de vagabundos e coitados, eles
também são covardes. Um ser que não se constrange com a humilhação pública é
capaz de atrocidades inimagináveis para quem come carne e bebe sangue todos os
dias.
Roupas sujas e ruas escuras, também não são como parecem.
Mas até eu, vez ou outra, sou arrebatado por uma compaixão sem parcimônia. A
“memória involuntária” (como diria Proust) traz à tona os mendigos que outrora
coloriam as ruas do centro: ali: um câncer exposto, acolá: um sujeito sem
pernas. Acho que eles sabem que a dor alheia ao ver a barbárie, é muito
superior a de quem a sofre. Vai pensando que eles não sabem o que é estrutura
psíquica.
Mas o que fazer? Se ignorar, sou arrogante; se olho e não
dou esmola, estou coitadizando; se lhes enfio um golpe fatal, sou violento.
Ora, o pensamento socialista incutiu em nossas cabeças a ideia de que somos
culpados por isso de alguma forma!
Eles também sabem segmentar mercado e empreender, veja: no
verão, quantos deles encontramos dormindo nas ruas? E no inverno?
Constrangimento, é isso! Eles subsistem à base de ares
irrespiráveis, mas não dispõem de nenhum tipo de escrúpulo. Aí chega você,
imbecil, e joga um real. Quanto tempo trabalhamos por um real? Em média de dez
a vinte minutos, e olha que só com duas frases de efeito o cara já te inebriou
e levou seu cobre.
Muitos deles recusam o auxílio estatal e refutam a ideia de
morar em albergues: são como ciganos, tem na liberdade de locomoção seu bem
mais estimado.
Outro absurdo contemporâneo é a história de tratar o
“usuário de crack”, ou qualquer outra merda química que apareça, como “doente”.
Legalizar as drogas (de forma irrestrita) é uma experiência interessante,
porque há a possibilidade de desonerar o sistema carcerário e suas despesas,
gerar oferta de emprego, arrecadar tributos e entibiar as atividades
criminosas. Já o “usuário”, esse que se foda, desde que dê seu dinheiro em
alguma coisa lícita.
Quantos anos levarão até que os governos entendam que a
esmola de hoje não garante o almoço de amanhã? Não adianta nada mandar aviões
de donativos à África Subsaariana, se, nesses países, não forem gerados novos
postos de trabalho. Isso não passa de demagogia barata, coisa de populista latino-americano
mesmo, esses que adoram praticar caridade com o que é dos outros. Roberto
Campos é que sabia o que é Economia: “O Estado não dá nada que não tenha tirado
do povo, e pior: devolve mal”.
Se discordar do que foi dito, aquiesça a todos os pedidos de
esmola e faça as contas no final do mês.
Já encontrei uma solução liberal: vou andar com cartões de
agências de emprego no bolso. O primeiro filho da puta que pedir um trocado,
vai encontrar um caminho para se tornar homem de verdade, não um projeto de
cidadão falido dos Estados sociais.