sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ruas Iluminadas, Roupas Limpas

"Na vida de bons cidadãos
Ruas iluminadas roupas limpas
Nada parece ser como é..."
Frase de Rodrigo Lima (não o que vos fala, claro, mas meu célebre homônimo canhoto).
Como bom destro que sou, ando sempre impoluto, imberbe e com sapatos italianos. Os transeuntes que cortam meu caminho, provavelmente, não sabem nada sobre minha vida pecuniária, deve ser por isso que, alguns deles, perseveram nas tragadas do meu Dunhill Carlton Blend. À um tipo ou outro (mulheres bonitas, principalmente) não faço muita cerimônia, mas com indigentes, desprovidos de CPF e fétidos, a coisa muda de figura: não me resta saída, uso o dispositivo do avulso: “não tenho, cara. Comprei avulso”. Esses dias um deles me falou: “então me dá o seu”.  
Qual o escopo da psicologia social, senão vitimizar os desamparados pelo dinheiro público? O capitalismo não pune ninguém, apenas exclui e derrota os preguiçosos.
Numa situação de total inassistência, acho que o suicídio me cairia como o único método de egresso. Mas, além de vagabundos e coitados, eles também são covardes. Um ser que não se constrange com a humilhação pública é capaz de atrocidades inimagináveis para quem come carne e bebe sangue todos os dias.
Roupas sujas e ruas escuras, também não são como parecem. Mas até eu, vez ou outra, sou arrebatado por uma compaixão sem parcimônia. A “memória involuntária” (como diria Proust) traz à tona os mendigos que outrora coloriam as ruas do centro: ali: um câncer exposto, acolá: um sujeito sem pernas. Acho que eles sabem que a dor alheia ao ver a barbárie, é muito superior a de quem a sofre. Vai pensando que eles não sabem o que é estrutura psíquica. 
Mas o que fazer? Se ignorar, sou arrogante; se olho e não dou esmola, estou coitadizando; se lhes enfio um golpe fatal, sou violento. Ora, o pensamento socialista incutiu em nossas cabeças a ideia de que somos culpados por isso de alguma forma!
Eles também sabem segmentar mercado e empreender, veja: no verão, quantos deles encontramos dormindo nas ruas? E no inverno?
Constrangimento, é isso! Eles subsistem à base de ares irrespiráveis, mas não dispõem de nenhum tipo de escrúpulo. Aí chega você, imbecil, e joga um real. Quanto tempo trabalhamos por um real? Em média de dez a vinte minutos, e olha que só com duas frases de efeito o cara já te inebriou e levou seu cobre.
Muitos deles recusam o auxílio estatal e refutam a ideia de morar em albergues: são como ciganos, tem na liberdade de locomoção seu bem mais estimado.
Outro absurdo contemporâneo é a história de tratar o “usuário de crack”, ou qualquer outra merda química que apareça, como “doente”. Legalizar as drogas (de forma irrestrita) é uma experiência interessante, porque há a possibilidade de desonerar o sistema carcerário e suas despesas, gerar oferta de emprego, arrecadar tributos e entibiar as atividades criminosas. Já o “usuário”, esse que se foda, desde que dê seu dinheiro em alguma coisa lícita.
Quantos anos levarão até que os governos entendam que a esmola de hoje não garante o almoço de amanhã? Não adianta nada mandar aviões de donativos à África Subsaariana, se, nesses países, não forem gerados novos postos de trabalho. Isso não passa de demagogia barata, coisa de populista latino-americano mesmo, esses que adoram praticar caridade com o que é dos outros. Roberto Campos é que sabia o que é Economia: “O Estado não dá nada que não tenha tirado do povo, e pior: devolve mal”.
Se discordar do que foi dito, aquiesça a todos os pedidos de esmola e faça as contas no final do mês.

Já encontrei uma solução liberal: vou andar com cartões de agências de emprego no bolso. O primeiro filho da puta que pedir um trocado, vai encontrar um caminho para se tornar homem de verdade, não um projeto de cidadão falido dos Estados sociais. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Exílio Edênico e o Best-Seller Jurídico

O exílio dos pecadores é aqui na terra, mas, porque o plano intramundano como sanção? A condição edênica não existe para os filhos de Adão: a pena é hereditária e ad eternum, só assim, a prática do que é profano não contagia o paraíso. Os religiosos sectários ainda não aprenderam a consubstanciação da sujeira às nossas almas e, deve ser com essa arrogância, que anseiam pela construção de obras perfeitas. Ter uma vida metódica, casta, limpa e sem máculas, não é uma prerrogativa de quem, outrora, se atreveu a erguer a mão em busca de prazer hedonista.
Sem um fito analítico desse palco de horrores, podemos incorrer a puerilidade de quem vê o milagre constantemente e fica estupefato com o acaso. Porque essa negação sistemática da contingência? Deixando de lado as explicações psicológicas, minha predileção é por observar o ser humano como um revoltado, sem intermitências na sua rebeldia, que tem na judicialização das coisas a sua atividade mais insigne.
Assim, Deus nos outorgou quase todos os modelos de entendimento de aplicação de punições ao indivíduo. A jurisprudência divina é opulenta, mas, como enviesados filhos que somos, elaboramos nossa autonomia; essa, sustentada numa tirania nunca vista na história bíblica.
Vitor Hugo foi preciso: “A vingança cabe ao indivíduo, a punição à Deus. O Estado está entre os dois: nada tão pequeno, nem tão grande, lhe convém.”
Ninguém se resigna ao ser vítima da contingência: sem um cadafalso ou uma agressão física ao que é de carne e osso, a alma fica vazia de sentido. Veja os crimes midiáticos: o desejo por encontrar culpados blinda a ética racional, mostrando que a comunicação entre o pensamento e os sentidos é quase sempre falha. Tem até uma teoria na doutrina do Direito batizada de “Teoria do Domínio do Fato”. Quer dizer: se você conhece uma circunstância por dentro e, mesmo podendo repreendê-la, se omite, você também concorre ao crime e suas devidas punições tipificadas em lei.
Engana-se quem pensa que a nação não manda no Estado. No caso do Brasil, nossa constituição é um espelho escrito dos valores adâmicos desse povo. Todos os grandes juristas, dentre eles Márcio Thomas Bastos, ocupam cargos nas estruturas do poder e não conseguem dialogar na sua própria matéria, simplesmente por serem suscetíveis a demagogia dos adversários e ao linchamento das massas. É consenso na doutrina a ideia de que delitos determinados pela força física (agressões corporais) são os únicos fidedignos de cárcere. Não podemos esquecer que a violência é a razão da existência do poder institucional, sendo assim, a penitenciária é uma ferramenta muito peculiar e específica que não pode dar suporte a todos os tipos de comportamentos que estejam em desacordo com a legislação.
Se Joaquim Barbosa fosse Deus, provavelmente teria construído uma prisão no paraíso e metido xadrez em Adão. Aí está a sabedoria bíblica: cada punição advém da sua razão. Adão experimentou o fruto proibido e foi expurgado do éden, simples.
A improbidade administrativa não merece pena de cárcere, quer dizer: é anti-ético “políticos corruptos” irem pra cadeia, independente dos efeitos de suas práticas. Nesse caso, uma cassação vitalícia de mandato e um confisco patrimonial já ficam de bom tamanho. Há uma série de outros casos que já na raiz o Estado perde seus limites éticos, isso não é uma racionalização em detrimento da moral, antes, é um exercício para entendermos que o Estado não pode oferecer ao sujeito o ensejo de tornar a prejudicar a ordem da mesma forma que outrora o fez.
O Direito é apenas um instrumento de controle das tensões sociais. Se tens suas indignações, guarde-as no foro mais íntimo possível.
Causa-me espanto a democracia grosseira na qual estamos imersos; nessa democracia: todo mundo pode deliberar sobre qualquer assunto. São como crianças que querem ingerir no orçamento da casa e não respeitam quem pode guiá-las.
Veja só a juventude mimada que pinta a cara e vai à Paulista cantar o hino nacional: querem pagar menos impostos e ter mais serviço público. O Estado tornar-se-á uma instituição de caridade privada sustentada pelo erário de algum messias desconhecido.

Nesse ponto há mais uma conversão com o pensamento punitivo bíblico, afinal, será que a palmada pedagógica é ética?

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Dosando o Veneno Sensual

Meus ensaios são tão ominosos ao meu “Eu” que sempre que me encontro em uma entrevista, daquelas abruptas que não temos estômago para digerir, fico pálido de vergonha diante das interrogações de meus conhecidos. Sinto-me cada vez mais nu. Despir-se moralmente em público é muito mais estressante e constrangedor do que sair pelado na rua; ao menos, na segunda hipótese, o linchamento é instantâneo. O juízo latente me sufoca, causa fraturas nos meus ossos e me torna pusilânime, por isso, evito cada vez mais a aglutinação em grupo. A misantropia é minha areia movediça de todos os dias e só há egresso da acomodação solitária, quando sinto que meus amigos valem à pena, mas raramente isso sucede.
Nietzsche dizia que “tudo o que se conhece perde a graça”, Dostoievski vilipendiara a ordem: “O sentido acaba com a admiração”; dois demônios internos que funcionam como repelentes da minha atividade social. Não posso incorrer ao pecado da superficialidade, menos ainda ao da banalidade de um ser mimético, comum e encontrável nas calçadas. Portanto, não force compreensão, meu escopo não é ser analisado ou diagnosticado, antes, é dar uma brecha sedutora para que meu leitor se afogue e fique tão vermelho e tímido quanto eu.
Sempre senti o aroma podre da nossa espécie, ele veio acompanhado de perfumes de grife com o intuito de cortinar nossa essência escatológica, trágica e negadora dessas duas condições. Sei que sou um mentiroso, e mentirosos vivem no eterno desconforto de querer falar e não poder ou do medo da descoberta. Não temos mais fogo, mas quem precisa de lenha e querosene na época do “politicamente correto”? Não vou culpar sistemas, afinal, me parece que o strip-tease na praça nunca foi tolerado: a repressão é coisa congênita e peste crônica.
O marketing da transa é a roupa, isso mostra que coisas que repousam recônditas instigam instintos primitivos no homem. Sim, imagina se todas as pessoas andassem com os genitais de fora? Meus amigos, fazer sexo seria como almoçar: algo conveniente, bom, normal, mas não um “segredo de liquidificador”. O sexo masculino sabe qual é o ápice da existência, já o feminino, devido nossa incompetência, poucas vezes o sabe.
A experiência da nudez à dois só é bela quando há intimidade, confiança e segredos velados até então, sem esses elementos uma das partes pode se regozijar com o fraco desempenho da outra tornando o ato vil.
Sem preservativos, nasce a prole, tanto no sexo quanto na entrevista. Na maior parte dos casos esse filho é indesejado, por isso que em ambas as hipóteses uso camisinha: ótimo termo para designar a roupa civil, pois sem uma camisa, ainda que pequena, vestimos uma saia justa. Quanto chavão! Talvez o povo tenha sua sabedoria que nunca vi.
A proteção é necessária até por questões de saúde, por isso, conhecidos meus, saibam que estarei sempre seguro, mas sempre pronto para a penetração. Não tenham medo, mas não chamem minha atenção por que minha carne é sedenta. Naqueles encontros inesperados vou tentar me conter. 
Essa é a beleza da literatura: não há relação mais íntima entre seres da mesma raça. Sou promíscuo, admito! Essa semana, minha paixão é por Jaymes Joyce. Maldita esfera masculina, menos mal que, de vez em quando, caio nos braços da Clarice Lispector.
Quanta gente se ufana por falar a verdade! Pobres filhos de Mefistófeles, mal sabem o teor ácido do que é real. A franqueza autêntica é uma prerrogativa dos espíritos livres, daqueles que pairam sobre a terra e caem no abismo dançando. É algo que não me parece uma habilidade diplomática, uma educação inglesa ou uma roupa descolada. O homem que se arriscar a não mentir está morto.
Essa bolha nos aparta da pele de uma mulher, da fome, do frio, da dor, das baratas, do carro, dos remédios e da realidade. Que bolha é essa? A folha em branco, essa que é o imã da alma. Enquanto escrevo e você lê: pessoas nascem, morrem, transam, comem e não pensam. O mundo metafísico é uma grande bazófia.
Vista-se, seja discreto, me mate de curiosidade, mas não use armadura de aço.
Mulheres vulgares não são sensuais, são apenas a exposição angustiada daquilo que querem ser e não conseguem; são exatamente iguais pessoas eloquentes.

Só não esqueça de deixar uma gota de veneno: é nela que vou encontrar sua essência e me embriagar tomando o resto da garrafa.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maquiavelicamente Imoral


Hoje, qualquer pessoa mais ou menos informada, se convidada a opinar a respeito da Igreja, indubitávelmente, dirá algo no sentido de repressão moral. A grande promiscuídade que embaça a discussão pública e a produção intelectual é o mimetismo que se faz entre moral e moralismo. Como diria Pascal: “A verdadeira moral zomba da moral”; elucidando a máxima, peço licença para trocar a segunda moral da frase e utilizar o termo genérico: “moralismo”. Genérico porque o empregamos num sentido extra-moral; ou seja, dentro de uma problemática onde o que importa é não a reflexão ética, mas sim uma polícia jurídica que opera sob demanda de interesses estritamente políticos. Daí advém o chavão “politicamente correto”.   
O ringue eleitoral ilustra a puerilidade dos contendores e a confusão na qual o tema é permeado. A solução que encontramos é a relativização da verdade: o melhor calmante para se viver em democracia. Como diria Olavo de Carvalho: “Toleraí-vos uns aos outros”. Quando a espinha entala na sua garganta, há uma evasão do âmbito meta-físico que mostra um comportamento incomunicável com as emoções.
Viver na ordem democrática, não significa deixar de ser absolutista. Idéias políticas jamais podem ser objeto de juízo de valor moral. O pensamento antagônico do seu vizinho não implica no fato de que ele esteja do lado do “mal”. Esse é o embate: na máscara do social todo mundo é democrático, mas na proximidade do que nos contraria, só queremos a cabeça do inimigo, afinal, ele está errado, não por ignorância, mas porque é mau caráter. 
Já blasfemei o pensamento de esquerda uma séria de vezes, entretanto, minha análise é sempre direcionada aos efeitos, não as causas. Ser fascista é um viés de comportamento imperceptível, ainda mais quando o sujeito se vê praticando a virtude universal com suas idéias. Os efeitos do marxismo são imorais; isso não quer dizer que os marxistas o sejam.
Gosto do termo “imoral”, mas raramente me sinto à vontade para expressá-lo. Minha primeira impressão do predicado é uma influência da minha mãe: sempre que aparecia uma mulher com a bunda de fora na TV, eu escutava o adjetivo. Sempre o associei a algo ilícito ou sexualmente profano.
A imoralidade reside na falta de comunicação entre reflexão e prática. Conteúdos são apenas assimilações intelectuais do que é empírico, ou seja, ser honesto não é estar do lado “A” ou do lado “X”, é não ser pedante ou hipócrita (falar sobre o que não sabe ou ignorar o que sabe).
Como estetizar a ética ou embasar a verdade no “imperativo categórico”? A estética, como numa obra, tem sua semelhança com o processo construção da vida. Alguns teólogos dizem que se trata da busca pela perfeição dentro dos limites humanos, já os ímpios, como Nietzsche, idolatram a arte como forma de encontrar a liberdade de espírito.
Mas e o pensamento kantiano? Meus amigos, confesso que já prodigalizei a atenção necessária, mas não encontrei nada. É só mais uma daquelas grandes teorias que cortinam o medo humano diante da contingência e do acaso da vida, além disso, endossa a insegurança do homem ao idealizar as coisas.
No fim das contas, há uma judicialização de toda ordem; a moral deixa de ser uma questão psicológica, como na Idade Média; e passa ser um conjunto de leis cabíveis de punição estatal. Nesse ponto o “moralismo” encontra sua amplificação e o Estado começa a entrar na sua casa, dormir na cama entre você e sua mulher e jantar na sua mesa.
Dominique Strauss-Kahn e Silvio Berlusconi se embriagaram do veneno pseudo-moral. Quando seus adversários políticos não encontraram nada para condenar-lhes, houve uma apropriação de supostos estupros e escândalos sexuais de apelo midiático para arrancar-lhes a cabeça.
Maquiavel, há quinhentos anos atrás, já fazia a pertinente separação do poder e da ética. Há uma interpretação, quase que geral, de que “O Príncipe” seria um manual de controle sobre os inimigos, os aliados e o povo. Isso me soa uma grande ingenuidade e até mesmo um juízo de valor moral conferido a obra. O diálogo não se dá na vida privada. O que importa é o que é feito na res republica e a forma como essa é administrada.  
Tenho muitas reservas quanto a Estados que colocam a dignidade e a moralidade na constituição (caso do Brasil). O governo deve ser objetivo, firme em suas leis e inexorável a pressões que contrariem pela força física o que está escrito em todos os planos legais.
Vejam o caso da Ação Penal 470: uma crucificação pré-julgada que apenas obteve sua legitimação no STF; provas ilegais de todos os tipos inclusas nos autos, tipicidades enviesadas para enquadrar os comportamentos no Código Penal, um show de indignação de alguns ministros para ficar bem na câmera, e o coitado do Lewandovski tentando garantir o contraditório.
Estou fazendo apologia aos condenados? Sim, e sem nenhum medo. O Estado e suas instituições só alcançam solidez quando a lei é cumprida à risca. Não tenho pena de quem foi condenado, tenho receio de ver um Estado com um bando de agentes arbitrários que se respaldam na “dignidade” e na “moralidade” e levam as suas próprias para os tribunais. Uma frase que me causou impressão foi a seguinte vociferada por Joaquim Barbosa: “a gente tem que ter seriedade no fazer as coisas nesse país”. Isso lá é frase de jurista que se preza?
Na primeira parte desse texto abordei a parte filosófica, na segunda a política, mas o importante é a compreensão, quase que gastronômica, do sabor nada refinado de uma mistura inconveniente.  

Por isso que estetizo a ética: sou minoria absoluta destroçada pela força numérica da democracia. Enquanto eles se matam, escuto Stravinsky.   

Provocações com Luiz Felipe Pondé.


Antonio Abujamra pergunta:
O que é a biotecnologia para a Igreja Católica?
Luiz Felipe Pondé responde:
Um pesadelo que traz à tona a condição adâmica do homem de querer estar no lugar de Deus.




sábado, 3 de agosto de 2013

Estética da Excreção

Li em algum lugar por aí que a matéria última das coisas é o pó: não há razões para que não seja. Mas o ápice do concreto com o qual temos contato sensorial e visual: é a merda. Sabiamente compôs Moacyr Franco:

“O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e o não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta...”   

A metáfora trasborda a esfera do “politicamente correto”. Um instinto me impele a analisar; de um lado: meu pedantismo como escritor; do outro: meu ignóbil hábito de sentar na privada todos os dias. Os processos só não são gêmeos porque seus adventos não datam da mesma época, mas isso é só uma questão cronológica. Em essência, fazer cocô é como dissertar e vice-versa. Há dias em que a espontaneidade do processo é divina: as “coisas” saem sem nenhum esforço tornando o exercício aprazível e relaxante. Porém, há horas em que a transpiração sobrepuja qualquer impulso de criatividade natural: não adianta fazer força, se debruçar ou zelar pela higiene apenas com papel. Aliás, o papel é outro elemento incomum nos rituais: num, limpa o físico, noutro, a alma. Mas agora não pretendo falar de alma, meu maior afã é tornar esse ensaio o mais fétido possível.
Porque tudo o que é bom, é melhor ainda se praticado na pequena jurisdição que isola o ser do mundo? O banheiro deveria ser uma espécie de santuário: espaço individual onde a humanidade vive o deleite máximo da existência; lugar que enseja reflexão, vaidade e prazer. Tudo isso sem precisar do outro, não é sublime?
É o encontro com o “Eu” que constrói essa mística, mas o satisfatório fito da nossa futura substância barrosa, nos dá uma amostra grátis da relevância do que outrora fora julgado digno de ser enfiado goela abaixo. A priori, tudo o que tem valor é a estética, a etiqueta, a boa educação e o sorriso na foto, mas foda-se o que você pensa: por mais que acredite no plano extramundano, não pode negar os vermes que habitar-te-ão em teu féretro, não pode fugir da permeabilidade do solo que permitirá o apodrecimento do seu belo e caro ataúde, não escaparás da merda que és.
Até mudei a cor do meu blog pra combinar com esse texto. Gostou?
O ser humano hodierno é como os platelmintos. Apesar do ânus, nosso aparelho digestivo ainda é incompleto. Sim, nossa habilidade para metabolizar cultura e jogar o que não presta fora, não é muito elevada. Ainda cagamos pela boca.
Vejam como a bosta é cotidiana: se alguém diz uma asneira, dizemos que está “falando bosta”. Ainda duvida da estrutura do nosso tubo de digestão?
É soturno, mas a decomposição do que é tangível, independente do tempo que leva, deixa no ar a essência e o aroma do que fora sólido. Pode ser que, no final da humanidade, o mar se torne um imenso Rio Tietê e as superfícies um enorme aterro. 
Existem coisas e pessoas que são insubstituíveis, mas não há nada que não se possa descartar.
O verbo poder é interessante, o substantivo nem tanto. O verbo é um eterno desafeto das nossas vontades e do nosso pensamento. Porque essa digressão agora? Só pelo intuito de mostrar que você pode querer, mas não possui a mais ínfima potência para alterar o fado que lhe espera.
Esse blog chama-se: “Do Peido à Bomba Atômica”. O que há nesse intermédio representado pela crase? Apenas uma hierarquia. Observe: tanto o peido quanto a bomba atômica destroem alguma coisa. A matéria remanescente não passa de ar. Entre a máxima e a mínima destruição, está o espírito de um ser; ser esse que anseia pelo fim das coisas. É nossa natureza, como a diversão da criança que quebra o brinquedo só para ver que há dentro dele.
Nosso impulso rumo à criação é nefasto.

Sinto-me como se estivesse desbravado o caminho jogando uma bomba. Agora é só caminhar sobre a destruição.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Show-business da Fé

Mais-valia? De acordo com o materialismo ateu, sim. Estranha é a concepção de juízo de valor de uma doutrina que opera denegando os sistemas existentes; que despeja vilipêndio ao que é sacro e que sabe que o homem é essencialmente material e sem sentido. Como conferir natureza objetiva ao preço das coisas? Quem disse que a força de trabalho é mais importante do que os meios de produção? Só um espírito tomado pelo fascismo pode acreditar que suas impressões são verdades universais, por que a tese da mais-valia é isso: impressão causada pela ganância. Compartilho do mesmo desconforto quando vejo meu extrato bancário no final do mês: compreendo Karl Marx.
A Economia moderna é nossa religião, assim como Das Kapital ainda é a bíblia dos diretórios acadêmicos de humanas.
Outrora, fui inquirido por um amigo: “tanto a direita quanto a esquerda se apoiam em dogmas e verdades pressupostas. Não seria mais ético aceitar o sistema que tem como escopo igualitarizar a renda?” Ótima pergunta, mas prefiro a meritocracia. Como diria Gustavo Franco: “onde não há mérito, a mediocridade impera”.
Enfim, valores materiais, no caso do consumo livre, são predileções de foro íntimo do sujeito: você pode achar que um relógio Armani não vale quatro mil reais, mas há pessoas que pagam. Tudo depende da vontade subjetiva e das demandas de cada pessoa: tem gente que compra livros de auto-ajuda, paga por uma sessão de psicanálise, às vezes compra o ingresso de uma palestra motivacional, vai ao estádio assistir futebol ou paga um salário mínimo por uma peça de teatro, um show de música ou algum entretenimento barato. Qual a razão para demonizar igrejas que cobram o culto? O fiel não vai à Igreja com o mesmo intuito do espectador da palestra motivacional? Ora essa, vocês criaram suas seitas modernas e agora  discriminam as tradicionais? 
Nem todos os protestantes são ingênuos que remuneram um impostor com uma bíblia na mão. “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, obra de Max Weber, já falava acerca do empreendedorismo dos evangélicos.
Não falo daqueles religiosos cegamente sectários que encontramos orando em voz alta na Praça da Sé, nem daqueles que entregam um panfleto e dizem: “Jesus te ama”. Caso não saiba, a doação de bens e recursos econômicos à grupos religiosos, também é praxe entre os estadunidenses. Mas não ataco os domésticos, desde que não roubem meu dinheiro, pelo fato de que esse tipo de transação comercial é uma questão de liberdade do indivíduo.
É meus amigos, a única certeza é a de que os preços vão subir. Quando a inflação é a regra (numa sociedade que não consome mais bens de consumo, antes deles, compra sonhos e ilusões pueris) pagamos cada vez mais alto por essa demanda sem intermitências por felicidade. Não é a lei do mercado: “procura e oferta”? Somos pós-modernos, agoniados em busca de sentido e sensações, cada vez mais frágeis a qualquer remédio duvidoso que esteja na prateleira.
O protestantismo ainda é adolescente; talvez um dia, ele encontre a maturidade do ancião católico e seja tão rabugento e resistente à mudança quanto. Mas a dissidência constante só mostra o caráter de um jovem rebelde que busca ser diferente, contestador e fútil.


Esses são pequenos exemplos do quão é ridículo ter fé em si mesmo. Quem acredita sempre cansa (não tenho nada contra Renato Russo). Uma instituição que tem mais de dois mil anos e permanece sólida, ensina que fé não se compra na padaria. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Bela Assinatura

A psicanálise é o estudo fenomenológico do que é desprezível. O que a ridiculariza (as sessões e seu estudo) é o utilitarismo dos psicanalistas e a tentativa de compreensão dos grandes movimentos históricos determinados por grandes teorias. Lacan, em seus seminários, ressuscitou a psicanálise freudiana, pois, segundo aquele, o método psicanalítico estaria se tornando uma espécie de auto-ajuda. De acordo com Jacques, o sujeito não encontra seu “Eu” numa circunscrição recôndita da palavra: não há nada mais que possa ser dito, portanto, a problemática é intransponível ao âmbito da etiologia. Simplificando: não há cura depois do diagnóstico, até porque, a matéria opera à base de análise psíquica, não de terapia para loucos.
A psicanálise é inútil em todas as suas vertentes (exceto em algumas empresas, nessas, ela tem o papel de tornar os empregados cada vez mais retardados e babões) e não nos oferta nenhuma variedade casuística para que cheguemos a alguma conclusão veemente sobre alguma coisa. Esse é o encanto: a observação do pequeno gesto, do inconsciente encarnado e do impulso que destrói, no máximo, uma barata. Não há nenhum monstro dentro de nós que precisamos conhecer: nossa monstruosidade é quase sempre inócua se possuirmos apenas nossa fisiologia como arma.
Com a técnica ganhamos extensões aos nossos corpos; se, outrora, havia implosões, agora haverá explosões de todos os níveis. Freud foi o mais famoso profeta da Primeira Guerra Mundial. Isso me leva crer que o pai da psicanálise, assim como eu (nada pretensioso) e Lacan, considerou seu estudo como algo voltado a fenômenos ínfimos: nosso instinto seria destruidor, mas só seria problemático, de acordo com o avanço da técnica científica: essa que era a maior preocupação do nosso mestre. Enfim, a psicanálise não serve pra nada, mas Freud (Freud é Freud) conseguiu tirar algum proveito para demonstrar grandes fatos, mesmo assim, minha predileção é pelo mundo onírico e o movimento das mãos.
Não quero falar sobre sonhos: esses já foram excentricamente pintados pelos surrealistas, vanguardistas do século XX: veja uma obra de Salvador Dalí e não restam mais palavras diante da beleza.
O movimento das mãos é o que me instiga. As mãos, símbolo da vergonha! Talvez seja pelo seu caráter meramente executório e contraditor do raciocínio. Proponho um exercício ao olhar: fite alguém que está parado, de pé, por alguns instantes; se o alvo estiver com as mãos soltas (sem objetos, fora dos bolsos e braços descruzados) desconfie de que seu ser de análise é um psicopata. Não se espante: eles são poucos. As mãos são o sinal máximo do superego: nosso inconsciente, às vezes nem tão irracional assim, é uma polícia do gesto: nos preocupamos com o que o outro pensará ao ver nossas mãos soltas. Não é suficiente? Então experimente ser o psicopata: pode ser num ponto de ônibus (rico laboratório humano). Solte suas mão e não as ocupe. Por quanto tempo suporta, e, se suportar, qual o tamanho do desconforto?
De mãos entendo, e muito! Sou instrumentista, tenho destreza, mas não por isso. Sofri de uma neurologia, mas já estou curado, chamada “tremor essencial”. Essa esquisitice não é uma peculiaridade do ser que vos fala. Não procurei tratamento clínico, mas entrei em contato com pessoas que tem o mesmo problema: estamos na fila, esperando nossa doidice entrar no ar na novela das oito; só assim poderemos nos apropriar do politicamente correto ao nosso favor.
Não consigo explicar o distúrbio de forma técnica, mas vou compartilhar minhas agonias e a forma (como presumo) que me livrei dessa.
Recordo o começo: foi no ano de 2007, na escola, no fim do período letivo. Num dia qualquer, receberíamos as notas que definiriam as aprovações e as reprovações. Eu, como péssimo aluno que fora, tinha a quase certeza da repetência. Minha segurança sucumbiu diante de um pânico sem explicação. Quando a diretora da escola (ela que divulgaria as notas em conversa particular com cada aluno) entrou na classe, o nervosismo tomou conta. Até aí tudo bem, mas meu número era o 33! Quer dizer, teria que esperar trinta e duas pessoas até saber o que aconteceria comigo. A cada resultado a ansiedade aumentava e com ela o tremor, ainda que pequeno. Mas, próximo ao número 25, comecei a perder o controle sobre minhas mãos. Quando minha hora chegou, soube que havia sido aprovado (ninguém é reprovado em escola pública), mas no momento de assinar o boletim rabisquei todo o papel. Risos? A diretora até me disse: “gostei da assinatura”.
Esse é o debute da tragédia que durou uns cinco anos. Daí em diante, eu não consegui assinar um documento, com alguém me observando, sem tremer descontroladamente. Depois que terminei o ensino médio as coisas melhoraram; justamente no ano seguinte me dei por curado. Minhas últimas memórias são as da época do serviço militar obrigatório, na primeira fase do recrutamento, quando assinei alguns documentos e a mulher que me via assiná-los, perguntou em voz alta se eu estava com medo. Todas as pessoas que estavam na sala me olharam, mas fiquei tão pálido e abismado que não percebi a reação delas. Voltei outras vezes para dar continuidade ao processo, mas não sem antes passar uma noite em claro, fumando dois maços de cigarro e até tomando vinho de garrafa de plástico. Eu chegava ao recrutamento tão acabado que não tinha nem ânimo pra pensar em tremer novamente.
Enfim, troquei o tremor pelo cigarro. Hoje não preciso mais desse método, mas divido minha solidariedade (que é rara) com quem vive esse trauma.
As mãos, meus amigos! As mãos! O que seria da técnica sem o desenvolvimento do polegar? Por onde andariam os fantasmas internos sem elas?

Entendem minha predileção pela psicanálise pequena?