Hoje, qualquer pessoa mais ou menos informada, se convidada
a opinar a respeito da Igreja, indubitávelmente, dirá algo no sentido de
repressão moral. A grande promiscuídade que embaça a discussão pública e a
produção intelectual é o mimetismo que se faz entre moral e moralismo. Como
diria Pascal: “A verdadeira moral zomba da moral”; elucidando a máxima, peço
licença para trocar a segunda moral da frase e utilizar o termo genérico: “moralismo”.
Genérico porque o empregamos num sentido extra-moral; ou seja, dentro de uma
problemática onde o que importa é não a reflexão ética, mas sim uma polícia jurídica
que opera sob demanda de interesses estritamente políticos. Daí advém o chavão “politicamente
correto”.
O ringue eleitoral ilustra a puerilidade dos contendores e a
confusão na qual o tema é permeado. A solução que encontramos é a relativização
da verdade: o melhor calmante para se viver em democracia. Como
diria Olavo de Carvalho: “Toleraí-vos uns aos outros”. Quando a espinha entala
na sua garganta, há uma evasão do âmbito meta-físico que mostra um
comportamento incomunicável com as emoções.
Viver na ordem democrática, não significa deixar de ser
absolutista. Idéias políticas jamais podem ser objeto de juízo de valor moral. O
pensamento antagônico do seu vizinho não implica no fato de que ele esteja do
lado do “mal”. Esse é o embate: na máscara do social todo mundo é democrático,
mas na proximidade do que nos contraria, só queremos a cabeça do inimigo,
afinal, ele está errado, não por ignorância, mas porque é mau caráter.
Já blasfemei o pensamento de esquerda uma séria de vezes,
entretanto, minha análise é sempre direcionada aos efeitos, não as causas. Ser
fascista é um viés de comportamento imperceptível, ainda mais quando o sujeito
se vê praticando a virtude universal com suas idéias. Os efeitos do marxismo são
imorais; isso não quer dizer que os marxistas o sejam.
Gosto do termo “imoral”, mas raramente me sinto à vontade
para expressá-lo. Minha primeira impressão do predicado é uma influência da
minha mãe: sempre que aparecia uma mulher com a bunda de fora na TV, eu
escutava o adjetivo. Sempre o associei a algo ilícito ou sexualmente profano.
A imoralidade reside na falta de comunicação entre reflexão
e prática. Conteúdos são apenas assimilações intelectuais do que é empírico, ou
seja, ser honesto não é estar do lado “A” ou do lado “X”, é não ser pedante ou
hipócrita (falar sobre o que não sabe ou ignorar o que sabe).
Como estetizar a ética ou embasar a verdade no “imperativo
categórico”? A estética, como numa obra, tem sua semelhança com o processo
construção da vida. Alguns teólogos dizem que se trata da busca pela perfeição
dentro dos limites humanos, já os ímpios, como Nietzsche, idolatram a arte como
forma de encontrar a liberdade de espírito.
Mas e o pensamento kantiano? Meus amigos, confesso que já
prodigalizei a atenção necessária, mas não encontrei nada. É só mais uma daquelas
grandes teorias que cortinam o medo humano diante da contingência e do acaso da
vida, além disso, endossa a insegurança do homem ao idealizar as coisas.
No fim das contas, há uma judicialização de toda ordem; a
moral deixa de ser uma questão psicológica, como na Idade Média; e passa ser um
conjunto de leis cabíveis de punição estatal. Nesse ponto o “moralismo”
encontra sua amplificação e o Estado começa a entrar na sua casa, dormir na cama
entre você e sua mulher e jantar na sua mesa.
Dominique Strauss-Kahn e Silvio Berlusconi se embriagaram do
veneno pseudo-moral. Quando seus adversários políticos não encontraram nada
para condenar-lhes, houve uma apropriação de supostos estupros e escândalos
sexuais de apelo midiático para arrancar-lhes a cabeça.
Maquiavel, há quinhentos anos atrás, já fazia a pertinente
separação do poder e da ética. Há uma interpretação, quase que geral, de que “O
Príncipe” seria um manual de controle sobre os inimigos, os aliados e o povo. Isso
me soa uma grande ingenuidade e até mesmo um juízo de valor moral conferido a
obra. O diálogo não se dá na vida privada. O que importa é o que é feito na res republica e a forma como essa é
administrada.
Tenho muitas reservas quanto a Estados que colocam a
dignidade e a moralidade na constituição (caso do Brasil). O governo deve ser
objetivo, firme em suas leis e inexorável a pressões que contrariem pela força física
o que está escrito em todos os planos legais.
Vejam o caso da Ação Penal 470: uma crucificação pré-julgada
que apenas obteve sua legitimação no STF; provas ilegais de todos os tipos
inclusas nos autos, tipicidades enviesadas para enquadrar os comportamentos no
Código Penal, um show de indignação de alguns ministros para ficar bem na câmera,
e o coitado do Lewandovski tentando garantir o contraditório.
Estou fazendo apologia aos condenados? Sim, e sem nenhum
medo. O Estado e suas instituições só alcançam solidez quando a lei é cumprida à
risca. Não tenho pena de quem foi condenado, tenho receio de ver um Estado com
um bando de agentes arbitrários que se respaldam na “dignidade” e na “moralidade”
e levam as suas próprias para os tribunais. Uma frase que me causou impressão
foi a seguinte vociferada por Joaquim Barbosa: “a gente tem que ter seriedade
no fazer as coisas nesse país”. Isso lá é frase de jurista que se preza?
Na primeira parte desse texto abordei a parte filosófica, na
segunda a política, mas o importante é a compreensão, quase que gastronômica,
do sabor nada refinado de uma mistura inconveniente.
Por isso que estetizo a ética: sou minoria absoluta
destroçada pela força numérica da democracia. Enquanto eles se matam, escuto
Stravinsky.
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