segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maquiavelicamente Imoral


Hoje, qualquer pessoa mais ou menos informada, se convidada a opinar a respeito da Igreja, indubitávelmente, dirá algo no sentido de repressão moral. A grande promiscuídade que embaça a discussão pública e a produção intelectual é o mimetismo que se faz entre moral e moralismo. Como diria Pascal: “A verdadeira moral zomba da moral”; elucidando a máxima, peço licença para trocar a segunda moral da frase e utilizar o termo genérico: “moralismo”. Genérico porque o empregamos num sentido extra-moral; ou seja, dentro de uma problemática onde o que importa é não a reflexão ética, mas sim uma polícia jurídica que opera sob demanda de interesses estritamente políticos. Daí advém o chavão “politicamente correto”.   
O ringue eleitoral ilustra a puerilidade dos contendores e a confusão na qual o tema é permeado. A solução que encontramos é a relativização da verdade: o melhor calmante para se viver em democracia. Como diria Olavo de Carvalho: “Toleraí-vos uns aos outros”. Quando a espinha entala na sua garganta, há uma evasão do âmbito meta-físico que mostra um comportamento incomunicável com as emoções.
Viver na ordem democrática, não significa deixar de ser absolutista. Idéias políticas jamais podem ser objeto de juízo de valor moral. O pensamento antagônico do seu vizinho não implica no fato de que ele esteja do lado do “mal”. Esse é o embate: na máscara do social todo mundo é democrático, mas na proximidade do que nos contraria, só queremos a cabeça do inimigo, afinal, ele está errado, não por ignorância, mas porque é mau caráter. 
Já blasfemei o pensamento de esquerda uma séria de vezes, entretanto, minha análise é sempre direcionada aos efeitos, não as causas. Ser fascista é um viés de comportamento imperceptível, ainda mais quando o sujeito se vê praticando a virtude universal com suas idéias. Os efeitos do marxismo são imorais; isso não quer dizer que os marxistas o sejam.
Gosto do termo “imoral”, mas raramente me sinto à vontade para expressá-lo. Minha primeira impressão do predicado é uma influência da minha mãe: sempre que aparecia uma mulher com a bunda de fora na TV, eu escutava o adjetivo. Sempre o associei a algo ilícito ou sexualmente profano.
A imoralidade reside na falta de comunicação entre reflexão e prática. Conteúdos são apenas assimilações intelectuais do que é empírico, ou seja, ser honesto não é estar do lado “A” ou do lado “X”, é não ser pedante ou hipócrita (falar sobre o que não sabe ou ignorar o que sabe).
Como estetizar a ética ou embasar a verdade no “imperativo categórico”? A estética, como numa obra, tem sua semelhança com o processo construção da vida. Alguns teólogos dizem que se trata da busca pela perfeição dentro dos limites humanos, já os ímpios, como Nietzsche, idolatram a arte como forma de encontrar a liberdade de espírito.
Mas e o pensamento kantiano? Meus amigos, confesso que já prodigalizei a atenção necessária, mas não encontrei nada. É só mais uma daquelas grandes teorias que cortinam o medo humano diante da contingência e do acaso da vida, além disso, endossa a insegurança do homem ao idealizar as coisas.
No fim das contas, há uma judicialização de toda ordem; a moral deixa de ser uma questão psicológica, como na Idade Média; e passa ser um conjunto de leis cabíveis de punição estatal. Nesse ponto o “moralismo” encontra sua amplificação e o Estado começa a entrar na sua casa, dormir na cama entre você e sua mulher e jantar na sua mesa.
Dominique Strauss-Kahn e Silvio Berlusconi se embriagaram do veneno pseudo-moral. Quando seus adversários políticos não encontraram nada para condenar-lhes, houve uma apropriação de supostos estupros e escândalos sexuais de apelo midiático para arrancar-lhes a cabeça.
Maquiavel, há quinhentos anos atrás, já fazia a pertinente separação do poder e da ética. Há uma interpretação, quase que geral, de que “O Príncipe” seria um manual de controle sobre os inimigos, os aliados e o povo. Isso me soa uma grande ingenuidade e até mesmo um juízo de valor moral conferido a obra. O diálogo não se dá na vida privada. O que importa é o que é feito na res republica e a forma como essa é administrada.  
Tenho muitas reservas quanto a Estados que colocam a dignidade e a moralidade na constituição (caso do Brasil). O governo deve ser objetivo, firme em suas leis e inexorável a pressões que contrariem pela força física o que está escrito em todos os planos legais.
Vejam o caso da Ação Penal 470: uma crucificação pré-julgada que apenas obteve sua legitimação no STF; provas ilegais de todos os tipos inclusas nos autos, tipicidades enviesadas para enquadrar os comportamentos no Código Penal, um show de indignação de alguns ministros para ficar bem na câmera, e o coitado do Lewandovski tentando garantir o contraditório.
Estou fazendo apologia aos condenados? Sim, e sem nenhum medo. O Estado e suas instituições só alcançam solidez quando a lei é cumprida à risca. Não tenho pena de quem foi condenado, tenho receio de ver um Estado com um bando de agentes arbitrários que se respaldam na “dignidade” e na “moralidade” e levam as suas próprias para os tribunais. Uma frase que me causou impressão foi a seguinte vociferada por Joaquim Barbosa: “a gente tem que ter seriedade no fazer as coisas nesse país”. Isso lá é frase de jurista que se preza?
Na primeira parte desse texto abordei a parte filosófica, na segunda a política, mas o importante é a compreensão, quase que gastronômica, do sabor nada refinado de uma mistura inconveniente.  

Por isso que estetizo a ética: sou minoria absoluta destroçada pela força numérica da democracia. Enquanto eles se matam, escuto Stravinsky.   

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