sábado, 3 de agosto de 2013

Estética da Excreção

Li em algum lugar por aí que a matéria última das coisas é o pó: não há razões para que não seja. Mas o ápice do concreto com o qual temos contato sensorial e visual: é a merda. Sabiamente compôs Moacyr Franco:

“O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e o não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta...”   

A metáfora trasborda a esfera do “politicamente correto”. Um instinto me impele a analisar; de um lado: meu pedantismo como escritor; do outro: meu ignóbil hábito de sentar na privada todos os dias. Os processos só não são gêmeos porque seus adventos não datam da mesma época, mas isso é só uma questão cronológica. Em essência, fazer cocô é como dissertar e vice-versa. Há dias em que a espontaneidade do processo é divina: as “coisas” saem sem nenhum esforço tornando o exercício aprazível e relaxante. Porém, há horas em que a transpiração sobrepuja qualquer impulso de criatividade natural: não adianta fazer força, se debruçar ou zelar pela higiene apenas com papel. Aliás, o papel é outro elemento incomum nos rituais: num, limpa o físico, noutro, a alma. Mas agora não pretendo falar de alma, meu maior afã é tornar esse ensaio o mais fétido possível.
Porque tudo o que é bom, é melhor ainda se praticado na pequena jurisdição que isola o ser do mundo? O banheiro deveria ser uma espécie de santuário: espaço individual onde a humanidade vive o deleite máximo da existência; lugar que enseja reflexão, vaidade e prazer. Tudo isso sem precisar do outro, não é sublime?
É o encontro com o “Eu” que constrói essa mística, mas o satisfatório fito da nossa futura substância barrosa, nos dá uma amostra grátis da relevância do que outrora fora julgado digno de ser enfiado goela abaixo. A priori, tudo o que tem valor é a estética, a etiqueta, a boa educação e o sorriso na foto, mas foda-se o que você pensa: por mais que acredite no plano extramundano, não pode negar os vermes que habitar-te-ão em teu féretro, não pode fugir da permeabilidade do solo que permitirá o apodrecimento do seu belo e caro ataúde, não escaparás da merda que és.
Até mudei a cor do meu blog pra combinar com esse texto. Gostou?
O ser humano hodierno é como os platelmintos. Apesar do ânus, nosso aparelho digestivo ainda é incompleto. Sim, nossa habilidade para metabolizar cultura e jogar o que não presta fora, não é muito elevada. Ainda cagamos pela boca.
Vejam como a bosta é cotidiana: se alguém diz uma asneira, dizemos que está “falando bosta”. Ainda duvida da estrutura do nosso tubo de digestão?
É soturno, mas a decomposição do que é tangível, independente do tempo que leva, deixa no ar a essência e o aroma do que fora sólido. Pode ser que, no final da humanidade, o mar se torne um imenso Rio Tietê e as superfícies um enorme aterro. 
Existem coisas e pessoas que são insubstituíveis, mas não há nada que não se possa descartar.
O verbo poder é interessante, o substantivo nem tanto. O verbo é um eterno desafeto das nossas vontades e do nosso pensamento. Porque essa digressão agora? Só pelo intuito de mostrar que você pode querer, mas não possui a mais ínfima potência para alterar o fado que lhe espera.
Esse blog chama-se: “Do Peido à Bomba Atômica”. O que há nesse intermédio representado pela crase? Apenas uma hierarquia. Observe: tanto o peido quanto a bomba atômica destroem alguma coisa. A matéria remanescente não passa de ar. Entre a máxima e a mínima destruição, está o espírito de um ser; ser esse que anseia pelo fim das coisas. É nossa natureza, como a diversão da criança que quebra o brinquedo só para ver que há dentro dele.
Nosso impulso rumo à criação é nefasto.

Sinto-me como se estivesse desbravado o caminho jogando uma bomba. Agora é só caminhar sobre a destruição.

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