Li em algum lugar por aí que a matéria última das coisas é o
pó: não há razões para que não seja. Mas o ápice do concreto com o qual temos
contato sensorial e visual: é a merda. Sabiamente compôs Moacyr Franco:
“O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e o não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta...”
A metáfora trasborda a esfera do “politicamente correto”. Um
instinto me impele a analisar; de um lado: meu pedantismo como escritor; do
outro: meu ignóbil hábito de sentar na privada todos os dias. Os processos só
não são gêmeos porque seus adventos não datam da mesma época, mas isso é só uma
questão cronológica. Em essência, fazer cocô é como dissertar e vice-versa. Há dias
em que a espontaneidade do processo é divina: as “coisas” saem sem nenhum
esforço tornando o exercício aprazível e relaxante. Porém, há horas em que a
transpiração sobrepuja qualquer impulso de criatividade natural: não adianta
fazer força, se debruçar ou zelar pela higiene apenas com papel. Aliás, o papel
é outro elemento incomum nos rituais: num, limpa o físico, noutro, a alma. Mas
agora não pretendo falar de alma, meu maior afã é tornar esse ensaio o mais
fétido possível.
Porque tudo o que é bom, é melhor ainda se praticado na
pequena jurisdição que isola o ser do mundo? O banheiro deveria ser uma espécie
de santuário: espaço individual onde a humanidade vive o deleite máximo da
existência; lugar que enseja reflexão, vaidade e prazer. Tudo isso sem precisar
do outro, não é sublime?
É o encontro com o “Eu” que constrói essa mística, mas o
satisfatório fito da nossa futura substância barrosa, nos dá uma amostra grátis
da relevância do que outrora fora julgado digno de ser enfiado goela abaixo. A
priori, tudo o que tem valor é a estética, a etiqueta, a boa educação e o
sorriso na foto, mas foda-se o que você pensa: por mais que acredite no plano
extramundano, não pode negar os vermes que habitar-te-ão em teu féretro, não
pode fugir da permeabilidade do solo que permitirá o apodrecimento do seu belo
e caro ataúde, não escaparás da merda que és.
Até mudei a cor do meu blog pra combinar com esse texto.
Gostou?
O ser humano hodierno é como os platelmintos. Apesar do ânus,
nosso aparelho digestivo ainda é incompleto. Sim, nossa habilidade para
metabolizar cultura e jogar o que não presta fora, não é muito elevada. Ainda
cagamos pela boca.
Vejam como a bosta é cotidiana: se alguém diz uma asneira,
dizemos que está “falando bosta”. Ainda duvida da estrutura do nosso tubo de
digestão?
É soturno, mas a decomposição do que é tangível,
independente do tempo que leva, deixa no ar a essência e o aroma do que fora sólido.
Pode ser que, no final da humanidade, o mar se torne um imenso Rio Tietê e as
superfícies um enorme aterro.
Existem coisas e pessoas que são insubstituíveis, mas não há nada que não se possa descartar.
Existem coisas e pessoas que são insubstituíveis, mas não há nada que não se possa descartar.
O verbo poder é interessante, o substantivo nem tanto. O
verbo é um eterno desafeto das nossas vontades e do nosso pensamento. Porque
essa digressão agora? Só pelo intuito de mostrar que você pode querer, mas não
possui a mais ínfima potência para alterar o fado que lhe espera.
Esse blog chama-se: “Do Peido à Bomba Atômica”. O que há
nesse intermédio representado pela crase? Apenas uma hierarquia. Observe:
tanto o peido quanto a bomba atômica destroem alguma coisa. A matéria
remanescente não passa de ar. Entre a máxima e a mínima destruição, está o espírito
de um ser; ser esse que anseia pelo fim das coisas. É nossa natureza, como a
diversão da criança que quebra o brinquedo só para ver que há dentro dele.
Nosso impulso rumo à criação é nefasto.
Sinto-me como se estivesse desbravado o caminho jogando uma
bomba. Agora é só caminhar sobre a destruição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário