quinta-feira, 18 de julho de 2013

Útero de Vidro

Seja como marketing político, pessoal ou biotecnológico, o aborto entrou na discussão pública sobre ética e, em nenhum momento, dá espaço para outra problemática respirar. Como todo assunto que é ruminado até a exaustão, o aborto se tornou banal e barateado. Vou dar um exemplo claro: sabe quando escutamos alguém (geralmente algum “artista”, jornalista ou autoridade pública) vociferar a legalização, pois, segundo eles: “o aborto é um problema de saúde pública”? Essa afirmação é tão ridícula que chego a me perguntar se é um argumento, afinal, qual a relação entre uma coisa e outra? A consciência de que o aborto é uma questão de saúde, não implica em absolutamente nada no debate moral da coisa.
A primeira carta a ser posta na mesa, deveria ser, como diria meu amigo Fábio Ribeiro: “Os limites éticos do Estado”. Sim, nesse tipo de conflito sempre recorro aos iluministas e ao pensamento burguês de Estado. Autores como Rousseau, ou até mesmo Hobbes, são indeléveis quando falamos sobre a relação do indivíduo com o poder (governo); ambos marcam o advento de uma ideia de se pensar as instituições e os seus poderes. Depois surgiram outros caras, muitos deles são responsáveis pela criação de raízes ideológicas nos Estados Unidos, e arquitetaram o “liberalismo econômico”, mas esse liberalismo eclode com Rousseau e Hobbes, começa quando o ser humano ousa questionar o poder do Estado sobre o indivíduo (não é o caso de Hobbes, mas o seu pensamento é importante para a nossa compreensão).
Não importa se estamos falando de economia ou de comportamento, o pensamento liberal condena o governo quando ele, governo, ingere em práticas que não concernem à civilização. O que são práticas que não concernem à civilização? São aquelas que o cidadão que a pratica é o único a colher suas conseqüências, exemplo: usar drogas, sair pelado em público, se vestir de qualquer  forma, ter qualquer opinião política (até mesmo totalitárias), usar o cinto de segurança de forma facultativa (caso não haja outro passageiro no carro); e, no plano econômico, é a possibilidade de qualquer civil poder empreender seu negócio: isso desonera o Estado de uma série de atribuições legais, como recolhimento de impostos e aplicação de erário em serviços, quase sempre prestados sem nenhuma eficiência gerando desperdício de capital, prática muito comum em Estados contagiados pelo pensamento de esquerda (como o nosso). 
Essa introdução é importante para sabermos de onde vem o liberalismo: que é da burguesia iluminista, posteriormente herdado pela direita conservadora americana.
Voltemos a falar do aborto. É estranho, pelo menos a mim, ver pessoas que defendem a interrupção da gestação de forma mecânica, falarem sobre liberdades individuais, porque, muitas vezes, essas pessoas idolatram Lênin e Stálin. Pra você não é estranho eles se apoderarem do pensamento burguês? Mas a hipocrisia não nos cabe agora, afinal, ela almoça conosco todos os dias. O que nos interessa é a análise dessa apologia barata.
Você acha que o aborto é uma questão privada (como aqueles exemplos que citei acima)? Só se o feto não for um ser humano. Mas o que é um ser humano? Pra mim pouco importa, mas no momento em que o gameta masculino encontra o feminino, o Estado tem um novo cidadão. Algumas pessoas podem dizer que ainda não houve desenvolvimento, ou falar sobre anencéfalos, mas o que importa? Há seres humanos que vivem como vegetais, isso não nos o direito de matá-los, afinal, eles também estão sob a jurisdição estatal. O estado tem a obrigação ética de dar segurança ao feto, ainda mais sabendo da sua condição de fragilidade. A mãe pode simplesmente deixar o bebê num orfanato ou algo do tipo, e esse respaldo tem que ser do governo, sem prejuízo de nenhuma das partes.
Se a reflexão amadurece, chegamos ao ponto mais delicado do debate: o regime jurídico do aborto. Por exemplo: se matar o feto é ilegal, de acordo com meu próprio raciocínio, a mãe deve sofrer sanções equivalentes as de uma pessoa que comete homicídio?
Posso entrar em contradição, mas não concordo com esse argumento. Primeiro: porque não é uma questão geométrica: aqui dois mais dois não são quatro, estamos falando de vidas. Segundo: porque o dolo de uma pessoa que pratica, ou é conivente com o aborto, não é o mesmo de um homicida. Terceiro: um homicida representa um perigo social físico, e não acredito que quem pratica o aborto o represente.
É mais fácil abortar, essa é a conclusão. Raskolnikov (personagem de Dostoiévski) teria praticado um aborto na sua namorada com muito mais facilidade do que foi a assassinato daquela velha. E por qual razão é tão fácil abortar? Simples: não vemos a vida do feto em movimento, ele é quase abstrato, só existe no plano metafísico. Por esse motivo aconselhei minha irmã a tirar o seu filho há mais de quatro anos atrás.

Talvez, se conseguíssemos ver a vida que nasce latente dentro de uma mulher, jamais fossemos coniventes com o aborto, e essas mesmas mulheres seriam presas por cometer o crime mais cruel que se possa imaginar. Mas isso só aconteceria se os úteros fossem de vidro transparente, sendo assim, de vidro, veríamos que ali há fragilidade e cuidaríamos daquela vida como a coisa mais preciosa do universo. 

2 comentários:

  1. Eu apenas escreveria uma simples onomatopeia:

    “clap, clap, clap“

    Mas me permita acrescentar ao seu golpe fatal (que foi dizer que a união dos gametas constitui um novo indivíduo, que deve imediatamente receber a tutela do Estado) que, ontologicamente, o zigoto é um ser humano que, como diria Aristóteles, passará de seu estado potencial latente ao ato. Então não há muito o que discutir: um zigoto gerado por gametas humanos é ontologicamente e potencialmente humano (e portanto, dotado de individualidade). E por aqui, fim de papo.

    Outras considerações que devemos fazer é sobre nossa ética utilitarista e consequencialista, que mede se um ato é bom ou mal de acordo com seus resultados (Kant, que inventou o imperativo categórico, deve se ter revirado em seu túmulo em Könisberg). A pergunta que os consequencialistas como Bentham e Mill se fazem ao refletir sobre a ética de uma ação é: “ele sofre“? Quero que só parem agora e reflitam nisso: imaginem como seria nosso mundo se todas as considerações e escolhas morais da humanidade fossem guiadas apenas por essa pergunta: “ele sofre?“.

    Rodrigo, seu blog é um estouro, ainda estou recuperando o fôlego depois de ler as postagens anteriores. Até o nome super tosco é foda!

    Um abraço!

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  2. Valew cara. Você com sempre puxando o meu saco.
    Sim, até mesmo o pensamento de suficiência do Kant seria uma boa pra essa análise. Mas em algumas problemáticas o Estado não pode "cortar o mal pela raiz", pois já na raiz, o Estado perdeu os limites éticos.
    O título é intertextual (nome bonito pra roubo de ideias), é uma frase do Jô Soares.

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