Seja como marketing político, pessoal ou biotecnológico, o
aborto entrou na discussão pública sobre ética e, em nenhum momento, dá espaço
para outra problemática respirar. Como todo assunto que é ruminado até a
exaustão, o aborto se tornou banal e barateado. Vou dar um exemplo claro: sabe
quando escutamos alguém (geralmente algum “artista”, jornalista ou autoridade
pública) vociferar a legalização, pois, segundo eles: “o aborto é um problema
de saúde pública”? Essa afirmação é tão ridícula que chego a me perguntar se é
um argumento, afinal, qual a relação entre uma coisa e outra? A consciência de
que o aborto é uma questão de saúde, não implica em absolutamente nada no
debate moral da coisa.
A primeira carta a ser posta na mesa, deveria ser, como
diria meu amigo Fábio Ribeiro: “Os limites éticos do Estado”. Sim, nesse tipo
de conflito sempre recorro aos iluministas e ao pensamento burguês de Estado.
Autores como Rousseau, ou até mesmo Hobbes, são indeléveis quando falamos sobre
a relação do indivíduo com o poder (governo); ambos marcam o advento de uma
ideia de se pensar as instituições e os seus poderes. Depois surgiram outros
caras, muitos deles são responsáveis pela criação de raízes ideológicas nos
Estados Unidos, e arquitetaram o “liberalismo econômico”, mas esse liberalismo
eclode com Rousseau e Hobbes, começa quando o ser humano ousa questionar o
poder do Estado sobre o indivíduo (não é o caso de Hobbes, mas o seu pensamento
é importante para a nossa compreensão).
Não importa se estamos falando de economia ou de
comportamento, o pensamento liberal condena o governo quando ele, governo,
ingere em práticas que não concernem à civilização. O que são práticas que não
concernem à civilização? São aquelas que o cidadão que a pratica é o único a
colher suas conseqüências, exemplo: usar drogas, sair pelado em público, se
vestir de qualquer forma, ter qualquer
opinião política (até mesmo totalitárias), usar o cinto de segurança de forma
facultativa (caso não haja outro passageiro no carro); e, no plano econômico, é a
possibilidade de qualquer civil poder empreender seu negócio: isso desonera o
Estado de uma série de atribuições legais, como recolhimento de impostos e
aplicação de erário em serviços, quase sempre prestados sem nenhuma eficiência
gerando desperdício de capital, prática muito comum em Estados contagiados pelo
pensamento de esquerda (como o nosso).
Essa introdução é importante para sabermos de onde vem o liberalismo:
que é da burguesia iluminista, posteriormente herdado pela direita conservadora
americana.
Voltemos a falar do aborto. É estranho, pelo menos a mim,
ver pessoas que defendem a interrupção da gestação de forma mecânica, falarem
sobre liberdades individuais, porque, muitas vezes, essas pessoas idolatram
Lênin e Stálin. Pra você não é estranho eles se apoderarem do pensamento
burguês? Mas a hipocrisia não nos cabe agora, afinal, ela almoça conosco todos
os dias. O que nos interessa é a análise dessa apologia barata.
Você acha que o aborto é uma questão privada (como aqueles
exemplos que citei acima)? Só se o feto não for um ser humano. Mas o que é um
ser humano? Pra mim pouco importa, mas no momento em que o gameta masculino
encontra o feminino, o Estado tem um novo cidadão. Algumas pessoas podem dizer
que ainda não houve desenvolvimento, ou falar sobre anencéfalos, mas o que
importa? Há seres humanos que vivem como vegetais, isso não nos o direito de
matá-los, afinal, eles também estão sob a jurisdição estatal. O estado tem a
obrigação ética de dar segurança ao feto, ainda mais sabendo da sua condição de
fragilidade. A mãe pode simplesmente deixar o bebê num orfanato ou algo do
tipo, e esse respaldo tem que ser do governo, sem prejuízo de nenhuma das
partes.
Se a reflexão amadurece, chegamos ao ponto mais delicado do
debate: o regime jurídico do aborto. Por exemplo: se matar o feto é ilegal, de
acordo com meu próprio raciocínio, a mãe deve sofrer sanções equivalentes as de
uma pessoa que comete homicídio?
Posso entrar em contradição, mas não concordo com esse
argumento. Primeiro: porque não é uma questão geométrica: aqui dois mais dois
não são quatro, estamos falando de vidas. Segundo: porque o dolo de uma pessoa
que pratica, ou é conivente com o aborto, não é o mesmo de um homicida. Terceiro:
um homicida representa um perigo social físico, e não acredito que quem pratica
o aborto o represente.
É mais fácil abortar, essa é a conclusão. Raskolnikov
(personagem de Dostoiévski) teria praticado um aborto na sua namorada com muito
mais facilidade do que foi a assassinato daquela velha. E por qual razão é tão fácil
abortar? Simples: não vemos a vida do feto em movimento, ele é quase abstrato,
só existe no plano metafísico. Por esse motivo aconselhei minha irmã a
tirar o seu filho há mais de quatro anos atrás.
Talvez, se conseguíssemos ver a vida que nasce latente
dentro de uma mulher, jamais fossemos coniventes com o aborto, e essas mesmas
mulheres seriam presas por cometer o crime mais cruel que se possa imaginar.
Mas isso só aconteceria se os úteros fossem de vidro transparente, sendo assim,
de vidro, veríamos que ali há fragilidade e cuidaríamos daquela vida como a
coisa mais preciosa do universo.
Eu apenas escreveria uma simples onomatopeia:
ResponderExcluir“clap, clap, clap“
Mas me permita acrescentar ao seu golpe fatal (que foi dizer que a união dos gametas constitui um novo indivíduo, que deve imediatamente receber a tutela do Estado) que, ontologicamente, o zigoto é um ser humano que, como diria Aristóteles, passará de seu estado potencial latente ao ato. Então não há muito o que discutir: um zigoto gerado por gametas humanos é ontologicamente e potencialmente humano (e portanto, dotado de individualidade). E por aqui, fim de papo.
Outras considerações que devemos fazer é sobre nossa ética utilitarista e consequencialista, que mede se um ato é bom ou mal de acordo com seus resultados (Kant, que inventou o imperativo categórico, deve se ter revirado em seu túmulo em Könisberg). A pergunta que os consequencialistas como Bentham e Mill se fazem ao refletir sobre a ética de uma ação é: “ele sofre“? Quero que só parem agora e reflitam nisso: imaginem como seria nosso mundo se todas as considerações e escolhas morais da humanidade fossem guiadas apenas por essa pergunta: “ele sofre?“.
Rodrigo, seu blog é um estouro, ainda estou recuperando o fôlego depois de ler as postagens anteriores. Até o nome super tosco é foda!
Um abraço!
Valew cara. Você com sempre puxando o meu saco.
ResponderExcluirSim, até mesmo o pensamento de suficiência do Kant seria uma boa pra essa análise. Mas em algumas problemáticas o Estado não pode "cortar o mal pela raiz", pois já na raiz, o Estado perdeu os limites éticos.
O título é intertextual (nome bonito pra roubo de ideias), é uma frase do Jô Soares.