segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Disfonia de Deus num Mundo de Caos

A tradição religiosa pode ser um espelho: para vermos nosso reflexo basta tirar a política da frente, não há ciência humana que vá tão ao fundo da psicologia e da filosofia do indivíduo. Se Deus está em tudo, inclusive em mim, minha moral sai do discurso público e entra no que há de mais visceral na alma.
O que me seduz nas religiões abraâmicas é o constante diálogo com o interno. É demasiado arrogante achar que todos os problemas estão fora de nós, seres tão sujos. É isso o que a bíblia quis dizer com a humildade dos eleitos. Só eles verão a Deus.
Antes de tudo, é pertinente deixar claro que não pratico a religião liturgicamente e nem sinto tal necessidade. Não possuo nenhum tipo de ritual de conexão com o transcendental e nem peço perdão por minhas anátemas antes de dormir.
Meu encanto pela religião emana de uma sensualidade filosófica que me instigou a pensar na problemática depois da leitura de verdadeiros “hereges”.
A impressão pode causar um mal-estar nos adeptos do proselitismo racional, mas a tradição religiosa, especialmente a cristã, é o elemento intertextual do que há de mais sofisticado na história da literatura ocidental.   
A filosofia cristã entende o ser humano na sua exatidão: como ser interno, que precisa, antes de tudo, encontrar a ordem que há no espírito, contrariamente ao sectarismo ideológico, esse nos lega que o caráter do homem pode ser esculpido no meio social.
Autores como Shakespeare, Goethe, Proust, James Joyce, dentre tantos outros, Dostoiévski talvez seja o mais estudado, dialogam integralmente utilizando a linguagem dos sentimentos, impulsos e tomada de decisões depois de muito conflito moral. Há uma correlação indissociável com a bíblia e suas lições éticas, mas não de forma didática, pois, aqui, na literatura, o interesse é arrancar as almas e não construí-las.
Pensar a ideia de Deus pode alienar? Evidente que sim, mas imaginá-lo com o “coração aberto” (termo cristão) pode ser muito pedagógico e até mesmo um exercício no caminho da depressão profunda. Deus é tudo, sem exceções! Não adianta justificá-lo ou tentar a insurreição: você não passa de pó e sua arrogância é a pressuposição, sustentada na idolatria, de que há uma auto-suficiência. Deus é muito grande para caber na nossa cabeça: estamos habituados a medidas, o infinito é uma linguagem eternamente incognoscível a seres que só conhecem o tempo e o espaço de suas existências, mas quando sentimos que Deus é tudo isso, caímos de joelho diante de um ser tirânico que, no fundo, também é nossa fisiologia e nosso pensamento.
Um efeito enviesado da obra dostoiévskiana é a interpretação de que o nosso gênio de São Petersburgo, impôs um questionamento que deixa a ciência racional numa sinuca de bico: “Se Deus não existe, tudo é possível”? Já descobriremos por que as aspas não abrangem a interrogação. Essa frase é de uma reflexão sem precedente na história da literatura universal, pelo menos não de forma tão incisiva. Afinal, sabemos que uma legitimação suprema é a base da ética. Parece que o ser humano nunca foi autoconfiante ao ponto de achar que as coisas que dizemos e pensamos é verdade, então, corremos sempre atrás de mestres e messias, idolatramos quem nos mostra por onde caminhar e precisamos do parâmetro “certo” e “errado”.
Raskolnikóv, personagem de “Crime e Castigo”, ou Ivan Karamazov, personagem de “Irmãos Karamazov”, eram daqueles ímpios que não acreditam nem na própria sombra. Raskolnikóv santificava Napoleão por seus feitos que beiravam o desumano e os tornava grande e destemido. O jovem agoniado se viu compelido a praticar um crime como prova de seu potencial ao sucesso e como o primeiro passo: que seria derrubar a parede da moral que separa os reis da gentalha. O que nosso herói não esperava era a culpa cortante que atravessara sua alma. Enfim, Raskolnikóv carregou o ônus da prova: a prova de que nem tudo é possível. Se o próprio Dostoiévski disse: “Se Deus não existe, tudo é possível”, deparamos com o espanto imediato, esse foi motivo da minha interrogação fora das aspas, afinal: tudo é possível? Como explicar o impossível? Deus não é uma ideia descabida, é algo a ser pensado sem brincadeiras e com um olhar cético ao nosso próprio ceticismo. Não sou agnóstico, mas admito que não consigo pensar em Deus.
Como diria o utopista Thomas Morus: “há homens que não acreditam em Deus pelo medo do pecado que lhes é constante”.


Enfim amigos, menos Focault e mais Eclesiastes, menos Marx e mais Dostoiévski! 

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