domingo, 20 de outubro de 2013

Do Pensamento Dialético ao Potencial do Indivíduo



O “senso crítico” existe, eis o contendor de qualquer pensamento sério. O filósofo trotskista Vladimir Safatle define a crítica como um processo de analogia objetual. Exemplo: há dois ou mais objetos; a crítica, nada mais será do que a comparação de possibilidades e impossibilidades que cada um deles carrega na sua fórmula intrínseca: esse é o organismo da dialética.
Quando, dentro de uma problemática qualquer, o contexto for unilateral é esgotada a capacidade de, nessa mesma problemática, estabelecer um pensamento dialético, até porque, sem uma bipolaridade explícita, a comparação de objetos torna-se inviável, porém, isso não exclui o exame metafísico de um único problema que não possua antagonismo, antíteses ou esferas comparativas.
O contato é mais do que necessário, sem ele a crítica é um conceito sem fundamento, ou apenas uma impressão intuitiva ou mágica.
Essas são as bases do silogismo cognitivo de qualquer ser humano, vejamos situações alegóricas:

  1. A miséria, como regra geral e inerente a condição do ser humano, não tem nenhum valor ou definição concreta se a riqueza não for evidente, logo, o homem que vive isolado do mundo suntuoso não sabe o que é a opulência, assim, esse mesmo homem, pode até sofrer por seu status, porém entende a sua desgraça como algo natural e inseparável da sua ordem de vida.
  2. Quando o luxo é notório, a analogia de fatos é viável, pois, agora, riqueza e pobreza tornam-se conceitos, ainda que abstratos, que podem ser conferidos com a mais simples das reflexões.

O matuto do sertão esquecido e o pobre da cidade, respectivamente, ilustram esses dois tópicos.
Os dois já foram exaustivamente tratados por cineastas, escritores e compositores durante todo o período dos séculos XIX ao XXI no Brasil, quase sempre, com um sensacionalismo absurdo e total falta de conhecimento empírico de tais questões. Muitos deles, de José de Alencar à Chico Buarque e, posteriormente, diretores da Globo Filmes, idolatraram a pobreza quase que como uma virtude do ser humano, ao passo de que, todos viviam, ou vivem, no maior conforto em seus apartamentos na Barra da Tijuca.
Toda classe artística foi doutrinada pela ideologia do social e, esquecendo nossa experiência, fomos impelidos a acreditar que a luta de classes é um problema moral. Acreditar em tal fetiche não seria imoral, se por trás de tudo isso não houvesse interesses políticos em ação.
Da metade do século XX em diante, as idéias marxistas emergiram com base em uma articulação doutrinária que inseriu as idéias de esquerda em dois níveis estratégicos:

  1. Show Business, arte, mídia e cultura em geral.
  2. Políticas públicas.

Só num Estado Democrático de Direito essa metodologia, idealizada pelo italiano Antonio Gramsci, encontra solo fértil. Em governos opressores, qualquer suspeita de insidio ao regime é sumariamente eliminada (recomendo o documentário: “S21, A Máquina de Morte do Khmer Vermelho”, filme que trata do modus operandi do Partido Comunista do Camboja.). Já em países democráticos, onde criticar o governo é um ato de heroísmo, qualquer idéia, por mais fascista que seja, deve ser aceita em nome da saúde de um valor que ninguém acredita.
Que autoridade tenho para falar sobre a questão o objetual do começo desse texto? Toda! Sou um miserável da cidade, como naquele segundo exemplo. Minhas angústias da infância, não tinham nada a ver com as coisas que eu não possuía, antes, eram todas voltadas ao videogame, a bicicleta e aos brinquedos dos meus amigos. Cresci com o afã pela grandeza e por superação e hoje meus planos de vida são estratosféricos.
Minha mãe, cearense, retirante e mãe solteira, viveu por uns vinte anos no interior do nordeste brasileiro em situação precária, assim como todas as pessoas que ela conhecia na época, e seus objetivos econômicos, hoje, são os mais simplórios possíveis.
A opulência é subjetiva e a inveja engrandece o espírito, porém, quem tem impulso ao que é pequeno, quem é fraco e, mesmo dispondo de toda as condições para a vitória, perde constantemente, só se fortalece quando encontra seu “grupinho”.
O glamour é uma prerrogativa íntima do sujeito. O intercurso das massas não passa de palavras de ordem combinadas. A liberdade encarcerada do homem solitário me encanta.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Temporalidade do "Se"

Nem todas as coisas são tão inseguras quanto os céticos pressupõem, ou melhor, quase nada: fatos concretos, consumados e já existentes, organizam tudo o que possuímos, o resto é pura obra da nossa cabeça mefistofélica, metafísica, aturdida pelo monstro do acaso que é tão certo quanto a existência do tempo futuro que ainda viveremos.
A reflexão a posteriori inviabiliza a inserção do “se” no campo dialético, até porque, o “se” implica contingência e o passado já é determinado e imutável, portanto, esse mesmo “se”, quando nos referimos à acontecimentos de outrora, não passa de vício de linguagem. 
O “se” é um elemento discursivo que só pode ser aceito quando hipotetizamos possibilidades supervenientes. Essa relação é estritamente temporal. 
Só sucessos de outrora são didáticos ao ponto de mostrar no que a prática pode culminar, por isso, agarro-me sempre a história e, apesar de saber a fragilidade que ela carrega, nessa mesma, que às vezes pode ser mais suscetível a um peido do que a uma revolução, encontro meu último encosto existencial. 
A linguagem, a reflexão, a aflição, a angústia, o medo e mais toda espécie de emoção moral idiossincrática ao ser humano não concernem em nada no plano político das coisas, salvo quando essas mesmas disposições ganham seus contornos empíricos e são aplicadas de forma externa; depois, ao obtermos resultados, é da mais alta imoralidade os concebermos como mero efeito colateral que pode ser dissociado do âmbito do discurso teórico e, quando tentamos aprimorar as idéias excluindo esses pontos supostamente indesejáveis, todo ideário entra em processo de abulição, perdendo força e se dissolvendo por suas próprias falhas retóricas. 
Essa é uma das razões do entibiamento dos partidos de esquerda mundo afora: muitos deles, formados por pessoas ingênuas, diagnosticaram no exercício do marxismo comportamentos anti-éticos e extremamente fascistas, mas, como o socialismo sempre pregou um certo amor ao próximo através da extinção de classes, os Bolchevique, Mao Tse Tung, Fidel Castro e tantos outros, constantemente são vistos como um sonho não realizado por erros técnicos, ao passo de que, Hitler, Mussolini, Sadan Hussein e Bush são conhecidos como grandes opositores da moralidade. Ora! O que distingue uns dos outros, senão o discurso? Ou seja, a prática não importa?
Porque o “mas e se” só é usado no caso da quimera vermelha? Ninguém fala: “mas e se Hitler tivesse feito do jeito X ou do Z”, pelo menos não na América Latina. No leste europeu ninguém ousa questionar “e se” quando o papo é URSS. Lá, ninguém mais quer brincar de ser proletário oprimido. O sofrimento pode ser bom se o homem precisa se tornar adulto e não sabe como. 
A historiografia revela verossimilhanças indigeríveis. O mundo não está cheio de mentiras, está apenas repleto de verdades que a maioria das cabeças não conseguem assimilar. É claro que em tudo isso não há nenhum sentido, porém, se quisermos abusar do “se” como ferramenta para o futuro, é mais do que necessário analisar o desenvolvimento de doutrinas nos lugares onde elas efetivamente se estabeleceram como praxe política para não incorrermos a questionamentos do tipo: “porque deu errado?”. Tem gente que não percebe que o “errado” pode ser proposital e que o mesmo faz parte da estrutura do pensamento racional de quem o elaborou. Mesmo que não faça, porque continuar aceitando tais idéias como válidas? 
O poder de persuasão dos teóricos de esquerda é altíssimo: eles não são tão ingênuos quanto o secto que os seguem, isso pode corroborar o intuito pernicioso de tais pessoas. 
Eles dispõem do instinto dos perdedores ao seu favor. Qual é esse instinto? O manifesto, a reclamação e a insatisfação, até porque, o problema só pode ser o que me aflige e se a pobreza é o carma da maioria, a maioria, como bons democratas que somos, vai gritar contra o establishment
Está mais do que claro que o crescimento do Estado reduz o indivíduo e fortalece uma cúpula que ganha poderes cada vez mais ilimitados. Quando o jovenzinho que vai à Paulista mostrar o seu cartaz tiver essa noção, e vai ser da forma mais dura, talvez ele perceba que não há cadeiras no poder disponíveis a todos, só aí, perceberá que o Estado comunista é tão fajuto quanto a idéia de éden e vida após a morte e que a foice e o martelo são os espectros sagrados de uma religião barata de inteligentinhos de meia tigela. 
Mas “e se” lêssemos Dante Alighiere e Goethe aos quinze anos? Não foi assim, agora é preciso ter uma habilidade sem precedentes para explicar alguma coisa a pessoas que foram à escola aprender como colocar camisinha na banana. 
Essa foi minha educação, mas, apesar de toda a desgraça financeira e familiar, agora, só me aproprio do “se” nos conflitos vindouros. Isso pode não amenizar a tragédia existencial, mas, ao menos, não me torna mais um papagaio em nome do social.

Ambiguidade, Modus Operandi e Discurso

A doutrina de esquerda e suas derivadas que propõe a ampliação do Estado, são um antídoto dos mais plausíveis no momento em que julgamos que seus pressupostos são legítimos: desde cedo, aprendemos que a luta de classes e a desigualdade social é o maior problema que demanda soluções políticas do ser humano. Deve ser esse o motivo do êxito operacional dessas ideologias em países pobres, afinal, se o homem tem impulsos ao idiotismo (id = eu e ota = visão, logo, idiota é aquele que só vê a si mesmo), o desconforto é a única condição patogênica que tomamos a sério na hora de definir quais são os impasses a serem resolvidos. Essa é a nossa educação, ela só esqueceu de legar que o materialismo ateu também faz parte dessa potencialização que eleva a humanidade por meios externos em detrimento da consciência moral. 
Como o ateísmo pode se correlacionar com problemas de ordem prática e objetiva? Não acreditar em Deus não seria uma abnegação e abstenção do sentido da vida? 
O marxismo não tem sustentação conceitual, ao menos que entendamos o fascismo de uma ou duas cabeças em nome do que elas pensam ser o “bem”, algo a ser seguido como ordem universal. A idolatria é elemento fundamental no processo de consolidação da esquerda, exemplos não faltam: de Lênin à Lula passando por camisas do Che e idéias distorcidas da quimera cubana. Com Jesus Cristo ocorreu o mesmo fenômeno. O sagrado me parece um pouco mais elegante e menos vergonhoso quando o ponto de partida das nossas reflexões é usado como ferramenta retórica para embasar um sistema de problemática persecutório. 
Apesar das abundantes críticas, tanto da direita quanto da esquerda radical, à “Teologia da Libertação”, vejo nessa, certa racionalidade do catolicismo. Uma concepção honesta é aquela que não nega fatos e impressões correntes, ao passo de quê, se há um Deus onipotente e onipresente que reduz todo o resto de matéria a pó, a Igreja deveria reconhecer que o funcionamento da economia dignifica algumas pessoas e entibia a dignidade moral de outras, logo, já não estamos numa massa homogênea e a ganância pode levar, como diria Luiz Felipe Ponde: “a condição adâmica de querer estar no lugar de Deus”. 
É apenas uma questão política, sei que a intimidade ética e não o discurso público, é a única forma de conversar com Deus. Mas por que a Igreja, outrora tão atuante nas estruturas do governo, sempre resistiu à adoção do marxismo como modus operandi? Esse mesmo modus operandi só é legítimo quando temos um problema, esse problema é válido quando institucionalizamô-lo como verdade, e a verdade nunca pode existir na falta de fé, afinal, se nada tem sentido, qual seria o sentido da especulação acerca de valores quando nossa dialética não agrega nenhum valor logo no seu princípio? 
A própria dissidência da filosofia faz a distinção necessária entre ateus e niilistas; o primeiro, hoje, seria uma espécie de militante da ciência, já o segundo, é um ímpio mais trágico e sem nenhum compromisso com axiomas; aquele, apenas substituiu a religião; esse, perdeu o chão e, segundo um niilista famoso: “cai no abismo”, às vezes “dançando”, mas, na maior parte dos casos, tomando remédios. 
Tão logo me tornei ateu, encontrei-me em puro estado de niilismo. Minhas inclinações pueris as idéias de esquerda não duraram mais que dois meses, por isso, sempre achei que essa tragédia fosse uma percepção inerente e idiossincrática ao indivíduo que não acredita no sacro. É difícil digerir o valor produzido em laboratório, portanto, é intragável um método de discurso que se contradiz com o único intuito de se auto-elevar. Essa dicotomia entre ateus e niilistas, a meu ver, não faz muito sentido: um ateu militante está apenas brincando de pensar, e, esse tipo de gente, eu simplesmente ignoro. 
Percebe, caro leitor, como o elemento discursivo não passa de tradução da prática objetiva? A linguagem é isso, mas o que seria dessa na religião profunda e no estado de niilismo? Nos dois não há muita dependência dos fatos materiais, o que há é uma verdadeira miséria de modus probandi, há pequenas impressões que ganham dimensões inauditas dentro do sujeito, há mais beleza e menos falácia em busca de encômios, além disso, ainda tem a possibilidade, inviável em sistemas mais rígidos, de entrar em contradição nas conjecturações cotidianas. 
É tudo uma questão de modus operandi, e, me é crível que esse não tem muita afinidade com o discurso produzido, nem no marxismo nem na religião. Até mesmo no niilismo: alguns céticos consideram a civilização um lugar confortável para esperar pela morte; apesar da sociedade suprimir uma série das nossas liberdades naturais, ela nos ourtoga segurança jurídica e moral, assim, negociamos o potencial ilimitado de ação que o estado de natureza pode proporcionar em troca de conforto e de um jugo social em nome da preservação física do ser humano. O niilista não sabe de onde advém sua ética, mas muitos sofrem com a desgraça material alheia, então, porque também não aceitam a axiologia esquerdista, ou parte dela, como válida? 
Não fico mais ensimesmado com a natureza ambígua da nossa razão, ela não passa do distúrbio de um ser fraco e volátil que compreendeu há pouco tempo que a trajetória biológica tem um fim.

Who’s Got My Back Now?

A normalidade, como conceito, só pode ser conferida como produto da consciência do sujeito. O estado de “normal” jamais encontrará uma definição verossímil de forma absoluta, assim, para não entrarmos num caos sem fim, desfruto do imperativo categórico kantiano: só esse dispositivo filosófico me ourtoga suporte em determinadas problemáticas um pouco mais abstratas e, portanto, “líquidas”, como dissera Bauman. Num mundo deficiente, tudo o que não é fato empírico vira ar: algo que não vemos, mas sentimos apenas por intuição instintiva. 
Hoje, não há mais porque falar em discurso. O filósofo se tornou um amedrontado que se dá por contente apenas com o diagnóstico das coisas. Conjeturar acerca de valores ou tentar impugna-los, é tão eficaz quanto implorar pela vida na frente de um psicopata armado. 
Essa axiologia abismática não me enerva nem um pouco a escrever todos os dias, afinal, porque me movo quando minha impressão é a de que as cordas que me suspendem são tão frágeis e ignóbeis? Bem que eu queria acreditar que estou no caminho e todos os que não segui levariam a lugares piores do que meu status atual, mas não há garantias, a contingência só deixa questões implícitas. Nada me leva a crer que há vínculos mais fortes do que o futebol, o trabalho, a escala pentatônica e as pernas femininas transeuntes. Isso é tudo que constrói a sinergia que tenho com meus amigos e a puxar conversa com estranhos, deve ser esse o motivo pelo qual ainda não fui apresentado a um messias, um daqueles como Aliócha Karamazov. 
Não é humano viver nessa ilusão, pelo menos, não é normal de acordo com o sistema de pensamento kantiano. O quinhão majoritário da nossa espécie caminha inebriado, não pela política, mas por um encantamento sublime, inacessível a quem não treme diante da catástrofe existencial. 
Interpretar a consciência de pessoas ordinárias não é uma destreza que possuo, por isso, me satisfaço só com o verbo externado em público, talvez, esse seja meu maior defeito, mas, como não encontro ferramentas mais precisas, não me resta base para identificar etiologias. 
Se existe pensamento íntimo indigno de ser exposto, deve existir verdade. O fundo d’alma deve ser o único lugar fértil para o crescimento da proximidade com Deus. Sou narcisista, portanto, desconectado. 
O hinduísmo é uma das religiões mais intangíveis que existem, suas relações de abstração prezam pela palavra. Segundo a doutrina, o que é jogado ao vento repercute e retorna a quem o fez. Como nosso mundo é sujo e pecaminoso, é melhor a criatura repousar numa afasia sacra: cale a boca e não arranje problemas, o que importa é a relação interior. 
Deve haver algo no foro íntimo do secto religioso: uma comunicação espiritual que blasfemadores não entendem; só pode ser isso!
Aguentem essa ateus: somos os aleijados defeituosos! Algum anjo mal, imbuído de teodiceia, cortou nossas asas. A queda foi feia: arrebentamos a cara no exílio do paraíso e agora rastejamos com problemas respiratórios, enquanto isso, a santa humanidade paira sobre nossas cabeças e dá risada da nossa condição de serpente amaldiçoada. 
Onde buscar redenção? No reconhecimento de que não somos nada diante de um Deus tirânico? Essa conexão é extrínseca à vaidade, as duas não se dão muito bem. O homem que leva Narciso na barriga, de tão gordo, entala na porta do éden. 
Outro fundamento deveras relevante é esquecer a recompensa: admitir a possibilidade da coexistência de Deus e da finitude plena da vida carnal e espiritual. As trevas eternas não excluem o que é sagrado. O fato de a morte ser um fato determinado e imutável e da inexistência ser sempiterna não é uma das falácias mais argutas para o ateísmo. 
Talvez, tudo não passe da obra de uma bordadeira cega. A escultura também não ama o escultor, a música não tem afeto pelo músico e o peido nunca idolatrou a bunda. Mas, o artista admira sua obra e o ânus adora soltar um pum. Vejam só como o amor verdadeiro não pode ser recíproco! Só assim tenho esperança de que haja piedade para indiferentes, como eu. 
Sou uma obra vil, daquelas feitas em dias sem inspiração, que não transpõem emoção, que não transcendem e que não se enquadram no que Picasso definiu como: “a mentira que revela a verdade”. Só uma criatura, ou obra, feita com o estro divino, pode dialogar com o criador ou com o artista. 
Anseio pela humildade e por aceitação das hipóteses trágicas, mas, no dia que isso acontecer, já não estarei mais aqui: debruçado, tentando escrever alguma coisa fútil. Será que Deus acredita no herege que vos fala? Só espero não ser mais uma daquelas músicas que, de tão repetidas, dão ânsia e causam enfado no compositor que a executa sem intermitências. Maldito é o dia em que colocamos uma merda dessas no mundo! Isso só acontece com canções populares, ufa! Sinto-me tão distante dos ateus pueris. Às vezes, o pintor ama seu quadro defeituoso apenas pela originalidade: esse é o único resquício de expectativa que pode me absolver do fogo mefistofélico ou das trevas esquecidas.

Intempéries em Detrimento da Inteligência

O estupor da América de baixo, vez ou outra interrompido pela nostalgia revolucionária, demanda uma análise estrutural das suas causas. Distante de qualquer persecução por bodes clássicos (mídia, governo, família etc.), a compreensão da constante afasia política e intelectual que nos permeia, exige a coragem de quem está disposto a fitar a tragédia de uma patologia congênita e, muito provavelmente, crônica. 
Não, não é minha pretensão retornar a condição adâmica do homem explorada em meus ensaios anteriores. A aparição metafísica dessa reflexão aconteceu numa discussão vulgar acerca de valores culturais. Falávamos (não importa quem, como e onde) sobre a contenda histórica entre paulistas e cariocas. Uma das pessoas envolvidas no debate internacionalizou o papo com aquele chavão de que europeus são menos afetivos que os brasileiros. Retornei ao debute da conversa e tentei explicar diferenças de hábito que nos impressionam pelo que é estranho; exemplo: na cidade fluminense as pessoas vão ao banco de sunga, já na paulicéia, isso seria no mínimo caricato, senão, atentado ao pudor. Uma pessoa contra-argumentou ressaltando que no Rio há praias, logo, esse costume tosco entraria numa certa esfera de “normalidade”. Com o povo do velho continente sucede o mesmo fenômeno. As condições naturais do ambiente podem ser muito mais determinantes ao intelecto do que as relações políticas vigentes. Falo de cátedra, sei o quão é árduo pensar debaixo de um sol de trinta e cinco graus, mas, também sei o ensejo que a geada me oferece de ler um Proust, escutar um Debussy ou hipotetizar uma morte deliberada nas madrugadas. 
É plausível o fato de que preferimos o social em detrimento do intelectual, a meteorologia explica. 
É indiosincrático: a folia do carnaval, os abraços vagos e os sorrisos tolos são extrínsecos ao inglês, ao dinamarquês, ao norueguês e ao russo, afinal, eles têm motivos sobrando para não sair de casa. Já o latino americano, adora aproveitar o sol rachando para ir ao bar tomar cerveja. 
Introspecção X socialização, eis a patogenia com a qual chegaremos à inevitável segregação por estilo. Freud, em “Mal-Estar na Civilização”, dentre outros dois elementos, classificou a entropia (relação do homem com a natureza) como uma das principais causas de dor e agonia da espécie humana. O estoicismo do mundo concreto as nossas angústias pode levar à insanidade, um clássico exemplo é quando a criança ousa questionar o tamanho do universo, assim como o fez Stephen Dedalus:

Que é que haveria depois do universo? Nada. Mas haveria qualquer coisa em volta do universo para mostrar onde ele parava antes de começar o lugar do nada? Não poderia ser uma parede; mas bem que podia ser uma linha fininha, lá bem em volta de tudo. Era uma coisa muito grande para poder pensar em todas aquelas coisas e em todos aqueles lugares.” 
James Joyce; “Retratos de Um Artista Quando Jovem”. 
Tradução: José Geraldo Vieira, maio 1971. Editora: Civilização Brasileira S.A.  

Não existe patrimônio seguro, assim como não há instrumento de contenção. A deflagração de uma catástrofe cósmica pode reduzir à pó toda a história, toda axiologia e todos os edifícios. Será que existe algo em algum rincão que desconhecemos? Quem pode garantir que nunca houve civilização, humana ou não, cosmos afora? E se já existiu? E se existe? Será que são mais avançados do que nós? 
Só quem cresce infantilmente se torna adulto de verdade. Gente grande trabalha e se onera com um plano de carreira qualquer, ao passo de que não há mais tempo abundante para a instigação trágica. 
Enfim, como seriam os seres de um mundo distante? Provavelmente, esculpidos pela natureza climática do lugar, assim como os cariocas. 
A sede constante faz o errante do deserto idolatrar a água, assim, o coração não pulsa sem amor, ódio, raiva, inveja e ópera. Esse é o drama da poesia: sem solo fértil para a ontologia, a individualidade não existe, mas o que é inerente a fatores externos esgota a capacidade de ser puro, sendo assim, não temos personalidade redomática: o livre arbítrio é a maior mentira que a modernidade vociferou. Não me espanto mais com a tomada de consciência, mas, o pungente é que quando ela acontece, sua própria condição já implica num cárcere eterno da alma. 
Viver é como sentar na privada: quando você levanta e olha pra trás, a merda já está feita!

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ruas Iluminadas, Roupas Limpas

"Na vida de bons cidadãos
Ruas iluminadas roupas limpas
Nada parece ser como é..."
Frase de Rodrigo Lima (não o que vos fala, claro, mas meu célebre homônimo canhoto).
Como bom destro que sou, ando sempre impoluto, imberbe e com sapatos italianos. Os transeuntes que cortam meu caminho, provavelmente, não sabem nada sobre minha vida pecuniária, deve ser por isso que, alguns deles, perseveram nas tragadas do meu Dunhill Carlton Blend. À um tipo ou outro (mulheres bonitas, principalmente) não faço muita cerimônia, mas com indigentes, desprovidos de CPF e fétidos, a coisa muda de figura: não me resta saída, uso o dispositivo do avulso: “não tenho, cara. Comprei avulso”. Esses dias um deles me falou: “então me dá o seu”.  
Qual o escopo da psicologia social, senão vitimizar os desamparados pelo dinheiro público? O capitalismo não pune ninguém, apenas exclui e derrota os preguiçosos.
Numa situação de total inassistência, acho que o suicídio me cairia como o único método de egresso. Mas, além de vagabundos e coitados, eles também são covardes. Um ser que não se constrange com a humilhação pública é capaz de atrocidades inimagináveis para quem come carne e bebe sangue todos os dias.
Roupas sujas e ruas escuras, também não são como parecem. Mas até eu, vez ou outra, sou arrebatado por uma compaixão sem parcimônia. A “memória involuntária” (como diria Proust) traz à tona os mendigos que outrora coloriam as ruas do centro: ali: um câncer exposto, acolá: um sujeito sem pernas. Acho que eles sabem que a dor alheia ao ver a barbárie, é muito superior a de quem a sofre. Vai pensando que eles não sabem o que é estrutura psíquica. 
Mas o que fazer? Se ignorar, sou arrogante; se olho e não dou esmola, estou coitadizando; se lhes enfio um golpe fatal, sou violento. Ora, o pensamento socialista incutiu em nossas cabeças a ideia de que somos culpados por isso de alguma forma!
Eles também sabem segmentar mercado e empreender, veja: no verão, quantos deles encontramos dormindo nas ruas? E no inverno?
Constrangimento, é isso! Eles subsistem à base de ares irrespiráveis, mas não dispõem de nenhum tipo de escrúpulo. Aí chega você, imbecil, e joga um real. Quanto tempo trabalhamos por um real? Em média de dez a vinte minutos, e olha que só com duas frases de efeito o cara já te inebriou e levou seu cobre.
Muitos deles recusam o auxílio estatal e refutam a ideia de morar em albergues: são como ciganos, tem na liberdade de locomoção seu bem mais estimado.
Outro absurdo contemporâneo é a história de tratar o “usuário de crack”, ou qualquer outra merda química que apareça, como “doente”. Legalizar as drogas (de forma irrestrita) é uma experiência interessante, porque há a possibilidade de desonerar o sistema carcerário e suas despesas, gerar oferta de emprego, arrecadar tributos e entibiar as atividades criminosas. Já o “usuário”, esse que se foda, desde que dê seu dinheiro em alguma coisa lícita.
Quantos anos levarão até que os governos entendam que a esmola de hoje não garante o almoço de amanhã? Não adianta nada mandar aviões de donativos à África Subsaariana, se, nesses países, não forem gerados novos postos de trabalho. Isso não passa de demagogia barata, coisa de populista latino-americano mesmo, esses que adoram praticar caridade com o que é dos outros. Roberto Campos é que sabia o que é Economia: “O Estado não dá nada que não tenha tirado do povo, e pior: devolve mal”.
Se discordar do que foi dito, aquiesça a todos os pedidos de esmola e faça as contas no final do mês.

Já encontrei uma solução liberal: vou andar com cartões de agências de emprego no bolso. O primeiro filho da puta que pedir um trocado, vai encontrar um caminho para se tornar homem de verdade, não um projeto de cidadão falido dos Estados sociais. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Exílio Edênico e o Best-Seller Jurídico

O exílio dos pecadores é aqui na terra, mas, porque o plano intramundano como sanção? A condição edênica não existe para os filhos de Adão: a pena é hereditária e ad eternum, só assim, a prática do que é profano não contagia o paraíso. Os religiosos sectários ainda não aprenderam a consubstanciação da sujeira às nossas almas e, deve ser com essa arrogância, que anseiam pela construção de obras perfeitas. Ter uma vida metódica, casta, limpa e sem máculas, não é uma prerrogativa de quem, outrora, se atreveu a erguer a mão em busca de prazer hedonista.
Sem um fito analítico desse palco de horrores, podemos incorrer a puerilidade de quem vê o milagre constantemente e fica estupefato com o acaso. Porque essa negação sistemática da contingência? Deixando de lado as explicações psicológicas, minha predileção é por observar o ser humano como um revoltado, sem intermitências na sua rebeldia, que tem na judicialização das coisas a sua atividade mais insigne.
Assim, Deus nos outorgou quase todos os modelos de entendimento de aplicação de punições ao indivíduo. A jurisprudência divina é opulenta, mas, como enviesados filhos que somos, elaboramos nossa autonomia; essa, sustentada numa tirania nunca vista na história bíblica.
Vitor Hugo foi preciso: “A vingança cabe ao indivíduo, a punição à Deus. O Estado está entre os dois: nada tão pequeno, nem tão grande, lhe convém.”
Ninguém se resigna ao ser vítima da contingência: sem um cadafalso ou uma agressão física ao que é de carne e osso, a alma fica vazia de sentido. Veja os crimes midiáticos: o desejo por encontrar culpados blinda a ética racional, mostrando que a comunicação entre o pensamento e os sentidos é quase sempre falha. Tem até uma teoria na doutrina do Direito batizada de “Teoria do Domínio do Fato”. Quer dizer: se você conhece uma circunstância por dentro e, mesmo podendo repreendê-la, se omite, você também concorre ao crime e suas devidas punições tipificadas em lei.
Engana-se quem pensa que a nação não manda no Estado. No caso do Brasil, nossa constituição é um espelho escrito dos valores adâmicos desse povo. Todos os grandes juristas, dentre eles Márcio Thomas Bastos, ocupam cargos nas estruturas do poder e não conseguem dialogar na sua própria matéria, simplesmente por serem suscetíveis a demagogia dos adversários e ao linchamento das massas. É consenso na doutrina a ideia de que delitos determinados pela força física (agressões corporais) são os únicos fidedignos de cárcere. Não podemos esquecer que a violência é a razão da existência do poder institucional, sendo assim, a penitenciária é uma ferramenta muito peculiar e específica que não pode dar suporte a todos os tipos de comportamentos que estejam em desacordo com a legislação.
Se Joaquim Barbosa fosse Deus, provavelmente teria construído uma prisão no paraíso e metido xadrez em Adão. Aí está a sabedoria bíblica: cada punição advém da sua razão. Adão experimentou o fruto proibido e foi expurgado do éden, simples.
A improbidade administrativa não merece pena de cárcere, quer dizer: é anti-ético “políticos corruptos” irem pra cadeia, independente dos efeitos de suas práticas. Nesse caso, uma cassação vitalícia de mandato e um confisco patrimonial já ficam de bom tamanho. Há uma série de outros casos que já na raiz o Estado perde seus limites éticos, isso não é uma racionalização em detrimento da moral, antes, é um exercício para entendermos que o Estado não pode oferecer ao sujeito o ensejo de tornar a prejudicar a ordem da mesma forma que outrora o fez.
O Direito é apenas um instrumento de controle das tensões sociais. Se tens suas indignações, guarde-as no foro mais íntimo possível.
Causa-me espanto a democracia grosseira na qual estamos imersos; nessa democracia: todo mundo pode deliberar sobre qualquer assunto. São como crianças que querem ingerir no orçamento da casa e não respeitam quem pode guiá-las.
Veja só a juventude mimada que pinta a cara e vai à Paulista cantar o hino nacional: querem pagar menos impostos e ter mais serviço público. O Estado tornar-se-á uma instituição de caridade privada sustentada pelo erário de algum messias desconhecido.

Nesse ponto há mais uma conversão com o pensamento punitivo bíblico, afinal, será que a palmada pedagógica é ética?

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Dosando o Veneno Sensual

Meus ensaios são tão ominosos ao meu “Eu” que sempre que me encontro em uma entrevista, daquelas abruptas que não temos estômago para digerir, fico pálido de vergonha diante das interrogações de meus conhecidos. Sinto-me cada vez mais nu. Despir-se moralmente em público é muito mais estressante e constrangedor do que sair pelado na rua; ao menos, na segunda hipótese, o linchamento é instantâneo. O juízo latente me sufoca, causa fraturas nos meus ossos e me torna pusilânime, por isso, evito cada vez mais a aglutinação em grupo. A misantropia é minha areia movediça de todos os dias e só há egresso da acomodação solitária, quando sinto que meus amigos valem à pena, mas raramente isso sucede.
Nietzsche dizia que “tudo o que se conhece perde a graça”, Dostoievski vilipendiara a ordem: “O sentido acaba com a admiração”; dois demônios internos que funcionam como repelentes da minha atividade social. Não posso incorrer ao pecado da superficialidade, menos ainda ao da banalidade de um ser mimético, comum e encontrável nas calçadas. Portanto, não force compreensão, meu escopo não é ser analisado ou diagnosticado, antes, é dar uma brecha sedutora para que meu leitor se afogue e fique tão vermelho e tímido quanto eu.
Sempre senti o aroma podre da nossa espécie, ele veio acompanhado de perfumes de grife com o intuito de cortinar nossa essência escatológica, trágica e negadora dessas duas condições. Sei que sou um mentiroso, e mentirosos vivem no eterno desconforto de querer falar e não poder ou do medo da descoberta. Não temos mais fogo, mas quem precisa de lenha e querosene na época do “politicamente correto”? Não vou culpar sistemas, afinal, me parece que o strip-tease na praça nunca foi tolerado: a repressão é coisa congênita e peste crônica.
O marketing da transa é a roupa, isso mostra que coisas que repousam recônditas instigam instintos primitivos no homem. Sim, imagina se todas as pessoas andassem com os genitais de fora? Meus amigos, fazer sexo seria como almoçar: algo conveniente, bom, normal, mas não um “segredo de liquidificador”. O sexo masculino sabe qual é o ápice da existência, já o feminino, devido nossa incompetência, poucas vezes o sabe.
A experiência da nudez à dois só é bela quando há intimidade, confiança e segredos velados até então, sem esses elementos uma das partes pode se regozijar com o fraco desempenho da outra tornando o ato vil.
Sem preservativos, nasce a prole, tanto no sexo quanto na entrevista. Na maior parte dos casos esse filho é indesejado, por isso que em ambas as hipóteses uso camisinha: ótimo termo para designar a roupa civil, pois sem uma camisa, ainda que pequena, vestimos uma saia justa. Quanto chavão! Talvez o povo tenha sua sabedoria que nunca vi.
A proteção é necessária até por questões de saúde, por isso, conhecidos meus, saibam que estarei sempre seguro, mas sempre pronto para a penetração. Não tenham medo, mas não chamem minha atenção por que minha carne é sedenta. Naqueles encontros inesperados vou tentar me conter. 
Essa é a beleza da literatura: não há relação mais íntima entre seres da mesma raça. Sou promíscuo, admito! Essa semana, minha paixão é por Jaymes Joyce. Maldita esfera masculina, menos mal que, de vez em quando, caio nos braços da Clarice Lispector.
Quanta gente se ufana por falar a verdade! Pobres filhos de Mefistófeles, mal sabem o teor ácido do que é real. A franqueza autêntica é uma prerrogativa dos espíritos livres, daqueles que pairam sobre a terra e caem no abismo dançando. É algo que não me parece uma habilidade diplomática, uma educação inglesa ou uma roupa descolada. O homem que se arriscar a não mentir está morto.
Essa bolha nos aparta da pele de uma mulher, da fome, do frio, da dor, das baratas, do carro, dos remédios e da realidade. Que bolha é essa? A folha em branco, essa que é o imã da alma. Enquanto escrevo e você lê: pessoas nascem, morrem, transam, comem e não pensam. O mundo metafísico é uma grande bazófia.
Vista-se, seja discreto, me mate de curiosidade, mas não use armadura de aço.
Mulheres vulgares não são sensuais, são apenas a exposição angustiada daquilo que querem ser e não conseguem; são exatamente iguais pessoas eloquentes.

Só não esqueça de deixar uma gota de veneno: é nela que vou encontrar sua essência e me embriagar tomando o resto da garrafa.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Maquiavelicamente Imoral


Hoje, qualquer pessoa mais ou menos informada, se convidada a opinar a respeito da Igreja, indubitávelmente, dirá algo no sentido de repressão moral. A grande promiscuídade que embaça a discussão pública e a produção intelectual é o mimetismo que se faz entre moral e moralismo. Como diria Pascal: “A verdadeira moral zomba da moral”; elucidando a máxima, peço licença para trocar a segunda moral da frase e utilizar o termo genérico: “moralismo”. Genérico porque o empregamos num sentido extra-moral; ou seja, dentro de uma problemática onde o que importa é não a reflexão ética, mas sim uma polícia jurídica que opera sob demanda de interesses estritamente políticos. Daí advém o chavão “politicamente correto”.   
O ringue eleitoral ilustra a puerilidade dos contendores e a confusão na qual o tema é permeado. A solução que encontramos é a relativização da verdade: o melhor calmante para se viver em democracia. Como diria Olavo de Carvalho: “Toleraí-vos uns aos outros”. Quando a espinha entala na sua garganta, há uma evasão do âmbito meta-físico que mostra um comportamento incomunicável com as emoções.
Viver na ordem democrática, não significa deixar de ser absolutista. Idéias políticas jamais podem ser objeto de juízo de valor moral. O pensamento antagônico do seu vizinho não implica no fato de que ele esteja do lado do “mal”. Esse é o embate: na máscara do social todo mundo é democrático, mas na proximidade do que nos contraria, só queremos a cabeça do inimigo, afinal, ele está errado, não por ignorância, mas porque é mau caráter. 
Já blasfemei o pensamento de esquerda uma séria de vezes, entretanto, minha análise é sempre direcionada aos efeitos, não as causas. Ser fascista é um viés de comportamento imperceptível, ainda mais quando o sujeito se vê praticando a virtude universal com suas idéias. Os efeitos do marxismo são imorais; isso não quer dizer que os marxistas o sejam.
Gosto do termo “imoral”, mas raramente me sinto à vontade para expressá-lo. Minha primeira impressão do predicado é uma influência da minha mãe: sempre que aparecia uma mulher com a bunda de fora na TV, eu escutava o adjetivo. Sempre o associei a algo ilícito ou sexualmente profano.
A imoralidade reside na falta de comunicação entre reflexão e prática. Conteúdos são apenas assimilações intelectuais do que é empírico, ou seja, ser honesto não é estar do lado “A” ou do lado “X”, é não ser pedante ou hipócrita (falar sobre o que não sabe ou ignorar o que sabe).
Como estetizar a ética ou embasar a verdade no “imperativo categórico”? A estética, como numa obra, tem sua semelhança com o processo construção da vida. Alguns teólogos dizem que se trata da busca pela perfeição dentro dos limites humanos, já os ímpios, como Nietzsche, idolatram a arte como forma de encontrar a liberdade de espírito.
Mas e o pensamento kantiano? Meus amigos, confesso que já prodigalizei a atenção necessária, mas não encontrei nada. É só mais uma daquelas grandes teorias que cortinam o medo humano diante da contingência e do acaso da vida, além disso, endossa a insegurança do homem ao idealizar as coisas.
No fim das contas, há uma judicialização de toda ordem; a moral deixa de ser uma questão psicológica, como na Idade Média; e passa ser um conjunto de leis cabíveis de punição estatal. Nesse ponto o “moralismo” encontra sua amplificação e o Estado começa a entrar na sua casa, dormir na cama entre você e sua mulher e jantar na sua mesa.
Dominique Strauss-Kahn e Silvio Berlusconi se embriagaram do veneno pseudo-moral. Quando seus adversários políticos não encontraram nada para condenar-lhes, houve uma apropriação de supostos estupros e escândalos sexuais de apelo midiático para arrancar-lhes a cabeça.
Maquiavel, há quinhentos anos atrás, já fazia a pertinente separação do poder e da ética. Há uma interpretação, quase que geral, de que “O Príncipe” seria um manual de controle sobre os inimigos, os aliados e o povo. Isso me soa uma grande ingenuidade e até mesmo um juízo de valor moral conferido a obra. O diálogo não se dá na vida privada. O que importa é o que é feito na res republica e a forma como essa é administrada.  
Tenho muitas reservas quanto a Estados que colocam a dignidade e a moralidade na constituição (caso do Brasil). O governo deve ser objetivo, firme em suas leis e inexorável a pressões que contrariem pela força física o que está escrito em todos os planos legais.
Vejam o caso da Ação Penal 470: uma crucificação pré-julgada que apenas obteve sua legitimação no STF; provas ilegais de todos os tipos inclusas nos autos, tipicidades enviesadas para enquadrar os comportamentos no Código Penal, um show de indignação de alguns ministros para ficar bem na câmera, e o coitado do Lewandovski tentando garantir o contraditório.
Estou fazendo apologia aos condenados? Sim, e sem nenhum medo. O Estado e suas instituições só alcançam solidez quando a lei é cumprida à risca. Não tenho pena de quem foi condenado, tenho receio de ver um Estado com um bando de agentes arbitrários que se respaldam na “dignidade” e na “moralidade” e levam as suas próprias para os tribunais. Uma frase que me causou impressão foi a seguinte vociferada por Joaquim Barbosa: “a gente tem que ter seriedade no fazer as coisas nesse país”. Isso lá é frase de jurista que se preza?
Na primeira parte desse texto abordei a parte filosófica, na segunda a política, mas o importante é a compreensão, quase que gastronômica, do sabor nada refinado de uma mistura inconveniente.  

Por isso que estetizo a ética: sou minoria absoluta destroçada pela força numérica da democracia. Enquanto eles se matam, escuto Stravinsky.   

Provocações com Luiz Felipe Pondé.


Antonio Abujamra pergunta:
O que é a biotecnologia para a Igreja Católica?
Luiz Felipe Pondé responde:
Um pesadelo que traz à tona a condição adâmica do homem de querer estar no lugar de Deus.




sábado, 3 de agosto de 2013

Estética da Excreção

Li em algum lugar por aí que a matéria última das coisas é o pó: não há razões para que não seja. Mas o ápice do concreto com o qual temos contato sensorial e visual: é a merda. Sabiamente compôs Moacyr Franco:

“O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e o não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta...”   

A metáfora trasborda a esfera do “politicamente correto”. Um instinto me impele a analisar; de um lado: meu pedantismo como escritor; do outro: meu ignóbil hábito de sentar na privada todos os dias. Os processos só não são gêmeos porque seus adventos não datam da mesma época, mas isso é só uma questão cronológica. Em essência, fazer cocô é como dissertar e vice-versa. Há dias em que a espontaneidade do processo é divina: as “coisas” saem sem nenhum esforço tornando o exercício aprazível e relaxante. Porém, há horas em que a transpiração sobrepuja qualquer impulso de criatividade natural: não adianta fazer força, se debruçar ou zelar pela higiene apenas com papel. Aliás, o papel é outro elemento incomum nos rituais: num, limpa o físico, noutro, a alma. Mas agora não pretendo falar de alma, meu maior afã é tornar esse ensaio o mais fétido possível.
Porque tudo o que é bom, é melhor ainda se praticado na pequena jurisdição que isola o ser do mundo? O banheiro deveria ser uma espécie de santuário: espaço individual onde a humanidade vive o deleite máximo da existência; lugar que enseja reflexão, vaidade e prazer. Tudo isso sem precisar do outro, não é sublime?
É o encontro com o “Eu” que constrói essa mística, mas o satisfatório fito da nossa futura substância barrosa, nos dá uma amostra grátis da relevância do que outrora fora julgado digno de ser enfiado goela abaixo. A priori, tudo o que tem valor é a estética, a etiqueta, a boa educação e o sorriso na foto, mas foda-se o que você pensa: por mais que acredite no plano extramundano, não pode negar os vermes que habitar-te-ão em teu féretro, não pode fugir da permeabilidade do solo que permitirá o apodrecimento do seu belo e caro ataúde, não escaparás da merda que és.
Até mudei a cor do meu blog pra combinar com esse texto. Gostou?
O ser humano hodierno é como os platelmintos. Apesar do ânus, nosso aparelho digestivo ainda é incompleto. Sim, nossa habilidade para metabolizar cultura e jogar o que não presta fora, não é muito elevada. Ainda cagamos pela boca.
Vejam como a bosta é cotidiana: se alguém diz uma asneira, dizemos que está “falando bosta”. Ainda duvida da estrutura do nosso tubo de digestão?
É soturno, mas a decomposição do que é tangível, independente do tempo que leva, deixa no ar a essência e o aroma do que fora sólido. Pode ser que, no final da humanidade, o mar se torne um imenso Rio Tietê e as superfícies um enorme aterro. 
Existem coisas e pessoas que são insubstituíveis, mas não há nada que não se possa descartar.
O verbo poder é interessante, o substantivo nem tanto. O verbo é um eterno desafeto das nossas vontades e do nosso pensamento. Porque essa digressão agora? Só pelo intuito de mostrar que você pode querer, mas não possui a mais ínfima potência para alterar o fado que lhe espera.
Esse blog chama-se: “Do Peido à Bomba Atômica”. O que há nesse intermédio representado pela crase? Apenas uma hierarquia. Observe: tanto o peido quanto a bomba atômica destroem alguma coisa. A matéria remanescente não passa de ar. Entre a máxima e a mínima destruição, está o espírito de um ser; ser esse que anseia pelo fim das coisas. É nossa natureza, como a diversão da criança que quebra o brinquedo só para ver que há dentro dele.
Nosso impulso rumo à criação é nefasto.

Sinto-me como se estivesse desbravado o caminho jogando uma bomba. Agora é só caminhar sobre a destruição.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Show-business da Fé

Mais-valia? De acordo com o materialismo ateu, sim. Estranha é a concepção de juízo de valor de uma doutrina que opera denegando os sistemas existentes; que despeja vilipêndio ao que é sacro e que sabe que o homem é essencialmente material e sem sentido. Como conferir natureza objetiva ao preço das coisas? Quem disse que a força de trabalho é mais importante do que os meios de produção? Só um espírito tomado pelo fascismo pode acreditar que suas impressões são verdades universais, por que a tese da mais-valia é isso: impressão causada pela ganância. Compartilho do mesmo desconforto quando vejo meu extrato bancário no final do mês: compreendo Karl Marx.
A Economia moderna é nossa religião, assim como Das Kapital ainda é a bíblia dos diretórios acadêmicos de humanas.
Outrora, fui inquirido por um amigo: “tanto a direita quanto a esquerda se apoiam em dogmas e verdades pressupostas. Não seria mais ético aceitar o sistema que tem como escopo igualitarizar a renda?” Ótima pergunta, mas prefiro a meritocracia. Como diria Gustavo Franco: “onde não há mérito, a mediocridade impera”.
Enfim, valores materiais, no caso do consumo livre, são predileções de foro íntimo do sujeito: você pode achar que um relógio Armani não vale quatro mil reais, mas há pessoas que pagam. Tudo depende da vontade subjetiva e das demandas de cada pessoa: tem gente que compra livros de auto-ajuda, paga por uma sessão de psicanálise, às vezes compra o ingresso de uma palestra motivacional, vai ao estádio assistir futebol ou paga um salário mínimo por uma peça de teatro, um show de música ou algum entretenimento barato. Qual a razão para demonizar igrejas que cobram o culto? O fiel não vai à Igreja com o mesmo intuito do espectador da palestra motivacional? Ora essa, vocês criaram suas seitas modernas e agora  discriminam as tradicionais? 
Nem todos os protestantes são ingênuos que remuneram um impostor com uma bíblia na mão. “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, obra de Max Weber, já falava acerca do empreendedorismo dos evangélicos.
Não falo daqueles religiosos cegamente sectários que encontramos orando em voz alta na Praça da Sé, nem daqueles que entregam um panfleto e dizem: “Jesus te ama”. Caso não saiba, a doação de bens e recursos econômicos à grupos religiosos, também é praxe entre os estadunidenses. Mas não ataco os domésticos, desde que não roubem meu dinheiro, pelo fato de que esse tipo de transação comercial é uma questão de liberdade do indivíduo.
É meus amigos, a única certeza é a de que os preços vão subir. Quando a inflação é a regra (numa sociedade que não consome mais bens de consumo, antes deles, compra sonhos e ilusões pueris) pagamos cada vez mais alto por essa demanda sem intermitências por felicidade. Não é a lei do mercado: “procura e oferta”? Somos pós-modernos, agoniados em busca de sentido e sensações, cada vez mais frágeis a qualquer remédio duvidoso que esteja na prateleira.
O protestantismo ainda é adolescente; talvez um dia, ele encontre a maturidade do ancião católico e seja tão rabugento e resistente à mudança quanto. Mas a dissidência constante só mostra o caráter de um jovem rebelde que busca ser diferente, contestador e fútil.


Esses são pequenos exemplos do quão é ridículo ter fé em si mesmo. Quem acredita sempre cansa (não tenho nada contra Renato Russo). Uma instituição que tem mais de dois mil anos e permanece sólida, ensina que fé não se compra na padaria. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Bela Assinatura

A psicanálise é o estudo fenomenológico do que é desprezível. O que a ridiculariza (as sessões e seu estudo) é o utilitarismo dos psicanalistas e a tentativa de compreensão dos grandes movimentos históricos determinados por grandes teorias. Lacan, em seus seminários, ressuscitou a psicanálise freudiana, pois, segundo aquele, o método psicanalítico estaria se tornando uma espécie de auto-ajuda. De acordo com Jacques, o sujeito não encontra seu “Eu” numa circunscrição recôndita da palavra: não há nada mais que possa ser dito, portanto, a problemática é intransponível ao âmbito da etiologia. Simplificando: não há cura depois do diagnóstico, até porque, a matéria opera à base de análise psíquica, não de terapia para loucos.
A psicanálise é inútil em todas as suas vertentes (exceto em algumas empresas, nessas, ela tem o papel de tornar os empregados cada vez mais retardados e babões) e não nos oferta nenhuma variedade casuística para que cheguemos a alguma conclusão veemente sobre alguma coisa. Esse é o encanto: a observação do pequeno gesto, do inconsciente encarnado e do impulso que destrói, no máximo, uma barata. Não há nenhum monstro dentro de nós que precisamos conhecer: nossa monstruosidade é quase sempre inócua se possuirmos apenas nossa fisiologia como arma.
Com a técnica ganhamos extensões aos nossos corpos; se, outrora, havia implosões, agora haverá explosões de todos os níveis. Freud foi o mais famoso profeta da Primeira Guerra Mundial. Isso me leva crer que o pai da psicanálise, assim como eu (nada pretensioso) e Lacan, considerou seu estudo como algo voltado a fenômenos ínfimos: nosso instinto seria destruidor, mas só seria problemático, de acordo com o avanço da técnica científica: essa que era a maior preocupação do nosso mestre. Enfim, a psicanálise não serve pra nada, mas Freud (Freud é Freud) conseguiu tirar algum proveito para demonstrar grandes fatos, mesmo assim, minha predileção é pelo mundo onírico e o movimento das mãos.
Não quero falar sobre sonhos: esses já foram excentricamente pintados pelos surrealistas, vanguardistas do século XX: veja uma obra de Salvador Dalí e não restam mais palavras diante da beleza.
O movimento das mãos é o que me instiga. As mãos, símbolo da vergonha! Talvez seja pelo seu caráter meramente executório e contraditor do raciocínio. Proponho um exercício ao olhar: fite alguém que está parado, de pé, por alguns instantes; se o alvo estiver com as mãos soltas (sem objetos, fora dos bolsos e braços descruzados) desconfie de que seu ser de análise é um psicopata. Não se espante: eles são poucos. As mãos são o sinal máximo do superego: nosso inconsciente, às vezes nem tão irracional assim, é uma polícia do gesto: nos preocupamos com o que o outro pensará ao ver nossas mãos soltas. Não é suficiente? Então experimente ser o psicopata: pode ser num ponto de ônibus (rico laboratório humano). Solte suas mão e não as ocupe. Por quanto tempo suporta, e, se suportar, qual o tamanho do desconforto?
De mãos entendo, e muito! Sou instrumentista, tenho destreza, mas não por isso. Sofri de uma neurologia, mas já estou curado, chamada “tremor essencial”. Essa esquisitice não é uma peculiaridade do ser que vos fala. Não procurei tratamento clínico, mas entrei em contato com pessoas que tem o mesmo problema: estamos na fila, esperando nossa doidice entrar no ar na novela das oito; só assim poderemos nos apropriar do politicamente correto ao nosso favor.
Não consigo explicar o distúrbio de forma técnica, mas vou compartilhar minhas agonias e a forma (como presumo) que me livrei dessa.
Recordo o começo: foi no ano de 2007, na escola, no fim do período letivo. Num dia qualquer, receberíamos as notas que definiriam as aprovações e as reprovações. Eu, como péssimo aluno que fora, tinha a quase certeza da repetência. Minha segurança sucumbiu diante de um pânico sem explicação. Quando a diretora da escola (ela que divulgaria as notas em conversa particular com cada aluno) entrou na classe, o nervosismo tomou conta. Até aí tudo bem, mas meu número era o 33! Quer dizer, teria que esperar trinta e duas pessoas até saber o que aconteceria comigo. A cada resultado a ansiedade aumentava e com ela o tremor, ainda que pequeno. Mas, próximo ao número 25, comecei a perder o controle sobre minhas mãos. Quando minha hora chegou, soube que havia sido aprovado (ninguém é reprovado em escola pública), mas no momento de assinar o boletim rabisquei todo o papel. Risos? A diretora até me disse: “gostei da assinatura”.
Esse é o debute da tragédia que durou uns cinco anos. Daí em diante, eu não consegui assinar um documento, com alguém me observando, sem tremer descontroladamente. Depois que terminei o ensino médio as coisas melhoraram; justamente no ano seguinte me dei por curado. Minhas últimas memórias são as da época do serviço militar obrigatório, na primeira fase do recrutamento, quando assinei alguns documentos e a mulher que me via assiná-los, perguntou em voz alta se eu estava com medo. Todas as pessoas que estavam na sala me olharam, mas fiquei tão pálido e abismado que não percebi a reação delas. Voltei outras vezes para dar continuidade ao processo, mas não sem antes passar uma noite em claro, fumando dois maços de cigarro e até tomando vinho de garrafa de plástico. Eu chegava ao recrutamento tão acabado que não tinha nem ânimo pra pensar em tremer novamente.
Enfim, troquei o tremor pelo cigarro. Hoje não preciso mais desse método, mas divido minha solidariedade (que é rara) com quem vive esse trauma.
As mãos, meus amigos! As mãos! O que seria da técnica sem o desenvolvimento do polegar? Por onde andariam os fantasmas internos sem elas?

Entendem minha predileção pela psicanálise pequena?

terça-feira, 30 de julho de 2013

Atavismo: Meu Pai e Minha Mãe

A urgência da necessidade é o embrião dos espíritos inquietos. Não há beleza na poesia que não urge, só há falácia de um escritor que busca o desconforto, pois o desgraçado sabe que sem essa instigação, sua obra não existe.
Herdei pouca coisa da minha mãe, talvez a repulsa a algumas pessoas, mas nada tão estimado quanto a obra completa do “Graça” (como diria Xico Sá), o eminente Graciliano Ramos. Dentre esse rico compêndio do Graça, encontrei uma compilação de textos escritos para um jornal de Alagoas. O livro chama-se “Linhas Tortas”, tem uma grande didática que deveria ser ensinada nas faculdades de jornalismo. Uma das crônicas do hebdomadário fazia uma crítica feroz aos escritores europeus (guardo Balzac na memória) pela ininterrupta construção de espíritos complicados, distantes do homem comum, ininteligíveis e quase sempre inquietos sem razão alguma.
Mas esse Graça era uma cabra da peste mesmo! Como bom materialista que sou, compartilho da mesma intolerância do nosso mestre. Há obras que me fazem perquirir perseverantemente em busca de um significado, mas escavo até o último grão e acabo frustrado por não encontrar nada.
Sou vil, gosto do material e nele encontro minha alma. Minha predileção é pela rotina, o hábito, as necessidades fisiológicas, as paredes que me escondem do mundo e o chão que suporta meu peso (que não é muito) pacientemente, pois um dia haverá vingança e desse, que hoje piso, serei mais um subalterno enterrado.
Graciliano era do nordeste, sabia do que falava: aquele povo é o abstrato encarnado pelo sofrimento. Lá não há inquietação de barriga cheia: o homem sabe o valor e o fado da existência e não anda por aí destilando falsidade para vender best-sellers ou agradar gente “pós-moderna” que acha que vivemos numa crise psicológica. 
Até na arte tem gente falando em inquietação, talvez seja uma forma de marketing pessoal: é mais chique sentir fome de criação. Conheço esse processo muito bem e posso cravar: o deleite pela arte só vem depois de muito metodismo diário, por isso que tanta gente fica no meio do caminho, é uma chatice que praticamos como quem sorri ao chefe para não ser demitido. Após um tempo razoável, adquirimos o vício pelo ritual, aí sim, temos a necessidade de entrar em contato com o processo artístico. É uma questão de praxe.    
Nem o espírito é capaz de emanar beleza! O concreto nos mostra o que é agonia, se duvida: fique três dias sem comer. É essa a urgência que idolatro: sem ela não há coração.
Sou um boêmio: preciso do meu cigarro, minha cerveja, meu whisky e um bar aconchegante. Também amo minha casa, meu sofá, minha cama, minha TV, meus discos, meus livros, meu violão e minha privada. Qualquer alteração nessa ordem me causa um grande distúrbio psíquico. Preciso das coisas sempre no mesmo lugar. Também adoro gastronomia: sem comida a vida seria um erro! Pereço no meu hedonismo todos os dias, mas é isso que quero: envelhecer aquiescendo a sedução dos pequenos prazeres. Não deve ser à toa que meu último sobrenome é Prazeres, a única coisa que herdei do meu pai.
Enfim, minha vida sem tudo isso seria infernal e me daria motivos de sobra para ter um espírito inquieto.
Já sei que minha ontologia como escritor não é tão insigne quanto a dos franceses. Perdoem-me se meu estro depende de fracassos pessoais, mas assim sou: primeiro perco a mulher, o emprego, o amigo, o dinheiro e a janta, depois é possível auferir uma leve impressão da vida. Não recebo entidades, não vejo gente morta e não possuo estrutura ontológica fora do estado físico das coisas.    

Não posso finalizar sem falar do meu humor preferido: o mau. Da mesma forma que não vejo razões para inquietação, também não as vejo para felicidade. Essa imensidão de vazio concreto das coisas me incutiu o pecado da preguiça. Às vezes não tenho ânimo nem pra acordar e ver a cara de bunda desse mundo. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Disfonia de Deus num Mundo de Caos

A tradição religiosa pode ser um espelho: para vermos nosso reflexo basta tirar a política da frente, não há ciência humana que vá tão ao fundo da psicologia e da filosofia do indivíduo. Se Deus está em tudo, inclusive em mim, minha moral sai do discurso público e entra no que há de mais visceral na alma.
O que me seduz nas religiões abraâmicas é o constante diálogo com o interno. É demasiado arrogante achar que todos os problemas estão fora de nós, seres tão sujos. É isso o que a bíblia quis dizer com a humildade dos eleitos. Só eles verão a Deus.
Antes de tudo, é pertinente deixar claro que não pratico a religião liturgicamente e nem sinto tal necessidade. Não possuo nenhum tipo de ritual de conexão com o transcendental e nem peço perdão por minhas anátemas antes de dormir.
Meu encanto pela religião emana de uma sensualidade filosófica que me instigou a pensar na problemática depois da leitura de verdadeiros “hereges”.
A impressão pode causar um mal-estar nos adeptos do proselitismo racional, mas a tradição religiosa, especialmente a cristã, é o elemento intertextual do que há de mais sofisticado na história da literatura ocidental.   
A filosofia cristã entende o ser humano na sua exatidão: como ser interno, que precisa, antes de tudo, encontrar a ordem que há no espírito, contrariamente ao sectarismo ideológico, esse nos lega que o caráter do homem pode ser esculpido no meio social.
Autores como Shakespeare, Goethe, Proust, James Joyce, dentre tantos outros, Dostoiévski talvez seja o mais estudado, dialogam integralmente utilizando a linguagem dos sentimentos, impulsos e tomada de decisões depois de muito conflito moral. Há uma correlação indissociável com a bíblia e suas lições éticas, mas não de forma didática, pois, aqui, na literatura, o interesse é arrancar as almas e não construí-las.
Pensar a ideia de Deus pode alienar? Evidente que sim, mas imaginá-lo com o “coração aberto” (termo cristão) pode ser muito pedagógico e até mesmo um exercício no caminho da depressão profunda. Deus é tudo, sem exceções! Não adianta justificá-lo ou tentar a insurreição: você não passa de pó e sua arrogância é a pressuposição, sustentada na idolatria, de que há uma auto-suficiência. Deus é muito grande para caber na nossa cabeça: estamos habituados a medidas, o infinito é uma linguagem eternamente incognoscível a seres que só conhecem o tempo e o espaço de suas existências, mas quando sentimos que Deus é tudo isso, caímos de joelho diante de um ser tirânico que, no fundo, também é nossa fisiologia e nosso pensamento.
Um efeito enviesado da obra dostoiévskiana é a interpretação de que o nosso gênio de São Petersburgo, impôs um questionamento que deixa a ciência racional numa sinuca de bico: “Se Deus não existe, tudo é possível”? Já descobriremos por que as aspas não abrangem a interrogação. Essa frase é de uma reflexão sem precedente na história da literatura universal, pelo menos não de forma tão incisiva. Afinal, sabemos que uma legitimação suprema é a base da ética. Parece que o ser humano nunca foi autoconfiante ao ponto de achar que as coisas que dizemos e pensamos é verdade, então, corremos sempre atrás de mestres e messias, idolatramos quem nos mostra por onde caminhar e precisamos do parâmetro “certo” e “errado”.
Raskolnikóv, personagem de “Crime e Castigo”, ou Ivan Karamazov, personagem de “Irmãos Karamazov”, eram daqueles ímpios que não acreditam nem na própria sombra. Raskolnikóv santificava Napoleão por seus feitos que beiravam o desumano e os tornava grande e destemido. O jovem agoniado se viu compelido a praticar um crime como prova de seu potencial ao sucesso e como o primeiro passo: que seria derrubar a parede da moral que separa os reis da gentalha. O que nosso herói não esperava era a culpa cortante que atravessara sua alma. Enfim, Raskolnikóv carregou o ônus da prova: a prova de que nem tudo é possível. Se o próprio Dostoiévski disse: “Se Deus não existe, tudo é possível”, deparamos com o espanto imediato, esse foi motivo da minha interrogação fora das aspas, afinal: tudo é possível? Como explicar o impossível? Deus não é uma ideia descabida, é algo a ser pensado sem brincadeiras e com um olhar cético ao nosso próprio ceticismo. Não sou agnóstico, mas admito que não consigo pensar em Deus.
Como diria o utopista Thomas Morus: “há homens que não acreditam em Deus pelo medo do pecado que lhes é constante”.


Enfim amigos, menos Focault e mais Eclesiastes, menos Marx e mais Dostoiévski! 

domingo, 28 de julho de 2013

Mr and Mrs Smith: um casal didático

Famílias não precisam de diálogo e amizades não se sustentam à base de afabilidade: esse deveria ser o princípio irrefutável das boas e saudáveis relações. Há até um valor, na tradição religiosa, que diz que não podemos “semear a discórdia” no seio da instituição família. Essa afirmação é um verdadeiro axioma! Porém, o único jeito de não incorrermos a discórdia é instalar o silêncio como o que há de mais belo no convívio entre pais, filhos e irmãos. A fórmula não traz nada de mais rebuscado: para que não haja antagonismo, basta não discutir. A democracia definitivamente não é um manual seguro das famílias felizes. Talvez, isso decorra da espontaneidade dessa união, afinal, ninguém escolhe berço, somos compelidos a fazer parte de um laço de sangue e não adianta renegá-lo ou se revoltar. Nas relações mais superficiais, embasadas no gosto (aquelas do grupo de amigos), nossa moral dispõe o poder de tomar decisões utilitaristas, ou seja, só é meu amigo quem eu quero e ponto final. Evidentemente, há uma busca pelo que é parecido conosco, e, nesse âmbito, aprendemos o amor ao diferente e o ódio ao que é nossa imagem e semelhança. O diferente causa desconforto e o nosso espelho só traz tédio.        
Minha maior destreza no convívio é a observação. Já falei aqui que sou exímio observador (sem falsa modéstia, essa é a maior virtude dos imbecis) e já que tenho essa prerrogativa, aprecio cada movimento como se fosse uma obra de Renoir. Essas minhas impressões não são apenas jactâncias, antes disso, as extraio de um olhar tragicômico da rotina, mas não sem antes muito exercício para me poupar de equívocos tolos. Apesar disso, não quero dar exemplos empíricos do que escrevo: você que tire o traseiro da cadeira e vá ver se o que digo não é fidedigno.
Enfim, dizia eu que o diferente é desconfortável. Adoramos esse pequeno caos, e a solidez do elo entre amigos só se constrói por ele. Amigos precisam: discordar, brigar, trocar socos algumas vezes e pedir perdão. Quando é com nossa mãe, sabemos que a luta já começou perdida, por isso nos resignamos: quantas vezes não “deixamos pra lá” só para não termos a pachorra de eclodir um conflito mais sério? Isso é o amor no ar: não há nada mais bonito no âmbito dessa relação do que uma mesa de jantar com pessoas que não se falam: ali há paz, há união e não sobra uma palavrinha em nome da discórdia. Bela família cristã!
No fundo só queremos ter motivos para odiar, e, é aí que caímos como quem se joga de um prédio se estatelando na superfície, no campo da amizade e das paixões.
Uma hora (o cotidiano sempre nos mostra) vemos o esqueleto revestido de carne de nossos heróis. Espanto! Eles são feitos da mesma matéria que meus pais? Sim, e pior: não serão submissos só para não causar ruptura na corrente amistosa. Pronto: agora o bate boca fará parte da amizade e será tão aglutinador quanto o silêncio em família. Sem troca de farpas a relação fica insossa e perde graça, causando um afastamento natural das partes.
Um filme interessante do cinema mainstream é o longa do diretor Doug Liman: "Mr and Mrs Smith". Um roteiro hollywoodiano de ação, mas que mostra um olhar perspicaz acerca de um casamento incipiente. No começo, o casal, interpretado por Brad Pitt e Angelina Jolie, vive frequentando terapia por não suportar a chatice do American Way of Life, quer dizer: ter uma casa própria, um trabalho sólido e viver na mais perfeita harmonia do lar. Quando a separação precoce se mostra iminente, ambos descobrem a identidade secreta do par (essa parte não importa, é uma daquelas idiotices, tipo: pular de helicópteros dando tiro). Em meio a um tiroteio, o casal se reencontra e reacende a paixão de outrora.
Esse filme não deve nada a uma terapia de casal. O importante é vermos que a relação entre amigos, namorados e casais incipientes, precisa de um elemento explosivo que se evade da esfera racional.  
Nesse mercado que tudo vende e tudo passa por cima, têm gente querendo mercantilizar fórmula de bolo para pais, filhos e amigos. O pior é que há pessoas dispostas a comprar. É a velha história: “vamos ser amigos felizes”, “amigos não mentem uns para os outros”, “é hora de discutir sexo com nossos pais”, “meu pai é autoritário e não me escuta”, blá, blá, blá...  

Prefiro a tempestade da rua e a calmaria do meu sofá.

sábado, 27 de julho de 2013

Mendigando Ar

Não importa qual a resolução: o alívio de um ser ininterruptamente agoniado só chega com a resposta definitiva. Esperar pode matar ou manter o pulmão respirando até o golpe de misericórdia, mas é melhor sofrê-lo do que aguardá-lo e perecer no envelhecimento.
Desconfio do meu niilismo. Parece que há uma transcendência que escreve minha vida à base do: “aprenda e faça”. Isso não é auto-ajuda, antes disso, é autodestruição. Aprendi na escola mais trágica de todas, tive algumas aulas com Dostoiévski, Kafka, Goethe e Tolstoi, e esse último me legou a seguinte frase: “Doentes são todos os que nos outros vêem sintomas de loucura quando não têm um espelho em que possam ver o que lhes vai dentro da alma”. “O espelho da alma”, frase bela, mas nunca imaginei que veria um reflexo tão integral da minha própria imagem.
Esse ano, conheci a fase do “faça”, e o que fiz? Tudo errado! Apaixonei-me como em Tolstoi, quis ser desumano como em Dostoiévski e me tornei um angustiado a procura de saída, como em Kafka.
Sinto que nunca vou contemplar algo de pleno, nem mesmo o fracasso; viverei sempre inebriado pela possibilidade quimérica do futuro, isso prensa meu corpo todos os dias.
Não trago nenhum espírito inquieto, sou apenas uma peça do cotidiano, e, por conhecer as pessoas pouco, a timidez esmaga minhas pretensões mais fúteis e faz com que cresça um ódio ao que é de carne e osso, mesclado a um medo, por não saber com quem realmente falo.
Os sorrisos parecem irônicos, as palavras não vêm de dentro, os olhares revelam pensamentos vagos, impertinentes e inexpressáveis em público. Tudo me soa bazófia, impostura, e ninguém me poupa dessas falsidades: da minha mãe ao meu melhor amigo, passando pelo meu chefe e pela balconista da lanchonete. Digam-me a verdade, eu não aguento mais!
O ar do prédio onde trabalho está contaminado pela ironia. Vejo a cara dos meus superiores hierárquicos e me pergunto se eles descobriram meus pequenos crimes, se sim, porque não me demitem por justa causa logo? Faço uma entrevista de emprego, o selecionador fica de ligar se a resposta for a aprovação, mas o telefone não toca, me pergunto se está quebrado, se perdi a ligação ou se realmente fui rejeitado por não me enquadrar no perfil da vaga? Agora chego em casa, minha mãe cochicha pelos cantos, abaixa o tom de voz. Um ex-grande amigo mentiu durante seis meses em troca de um interesse pessoal, mas o pior: não admite que o fez.
Talvez a bomba mostre sua face, como tantas vezes já aconteceu, e esses desgraçados destilem todo o veneno que há nas suas cabeças. Eles não medem esforços para me destruir, quando decidem se manifestar, jogam absolutamente tudo o que pode me ferir sobre a mesa.
Há horas que me vejo em vantagem, afinal, poucos sabem qual é o meu “calcanhar de Aquiles”. Sou exímio observador, tão covarde que jamais me dou por vencido, diante da vida sim, pois sei que nessa briga já fui nocauteado, mas diante do ser humano nunca!
Talvez, tomar chuva gelada suportando um frio de dois graus, duas semanas depois de uma pneumonia grave, tenha me tornado mais intrépido. Agora é minha vez de olhar nos seus olhos e mostrar que você não passa de pó e é tão fraco quanto eu.
Já aceitei o fado: primeiro ter, legitimar, conquistar e jogar na cara de todo mundo; depois eu renego todo esse lixo. 

Expus minha alma na prateleira, esse é o preço. Mefistófeles não é nenhum demônio transmutado da carne de um cão. Ele é onipresente: oferta a glória e quando pensamos alcança-la já estamos sobre a superfície ardente do inferno! 
Só preciso respirar: minha falta de fé sufoca meu espírito, minha falta de responsabilidade destrói minha fisiologia. Aqui no meu mundo, oxigênio vale ouro.

terça-feira, 23 de julho de 2013

A Beleza do Sangue sem Amor

Nunca vi a beleza do bem, aliás, nunca vi bondade. Eu não apostaria na sua inexistência: se tanta gente se acha virtuosa, deve haver uma antítese do mal que desconheço. Talvez, meu espírito de porco esteja com uma venda sobre os olhos da alma. E o amor? Esse é um dos maiores embusteiros, e pior: sempre anda por aí com a estética do sublime. Amar é uma missão árdua, repare que os “semi-deuses” (como diria Fernando Pessoa), nunca têm estômago para falar das qualidades de outrem, mas quando o papo é se auto-adjetivar, os famigerados por Pessoa, são verdadeiros profissionais. 
Vejamos: recolha todas as suas memórias nas quais uma pessoa exaltava as qualidades de um terceiro (a mãe não vale). São ínfimas, não? E você, qual a última vez que elogiou alguém (nem pense em ídolos que você não conhece)? Agora faça o mesmo exercício, porém no sentido inverso. Sem espanto! Odiar é muito mais fácil e aprazível, o ódio aglutina os indivíduos, cria grupos, sociedades e até mesmo o amor. Não me causaria espécie, descobrir que o amor não passa de uma justificativa do ódio. Parece-me que a repulsa, seguida da vontade de destruir, chega primeiro do que o afeto a determinado objeto. Exemplo: palestinos mais odeiam o Estado de Israel e seu povo do que têm amor à própria pátria, e vice-versa.
O motivo é o nosso maior guia da vida moral racional, a partir da hora em que o possuímos, temos o endosso do espírito para praticar qualquer barbárie. Será apenas uma questão de legítima defesa, ou será uma vontade latente e reprimida de destroçar tudo o que estiver no nosso caminho? A segunda alternativa me parece mais plausível, não podemos negar que somos animais, e, como tal, sedentos por liberação de impulsos nefastos.
O nosso mundo têm construído, inconscientemente, mecanismos terapêuticos para dar vazão ao nosso instinto destruidor. Um desses mecanismos se tornou uma verdadeira vitrine da imbecilidade humana: as academias de ginástica e suas “artes” marciais. Outrora, o excepcional filósofo, Leandro Karnal, refletiu em público sobre o tema (olhem só a provocação): “numa sociedade normal, considerando nossos próprios padrões de normalidade, pessoas que sentem prazer vendo dois caras se socando, seriam levadas imediatamente a um tratamento psiquiátrico, mas, ao invés disso, compramos ingressos e idolatramos o espetáculo de horror”. Acrescento, não só pagamos, mas também queremos fazer parte da selvageria. Já ouvi uma série de pessoas, até mesmo próximas, falarem que vão à academia com o intuito de descarregar as tensões cotidianas. Acho que já se foi o tempo do yoga ou da meditação no deserto do Atacama, o negócio agora é enfiar a porrada, até porque, “guardá-la é pior” (como diriam os “especialistas” que aparecem nos jornais da Globo), “mas é necessário ter moderação”. 
Esse é o diagnóstico que me faz descartar a hipótese da legítima defesa. Felizes são aqueles que podem encontrar justificativas políticas e morais para os seus crimes. 
Essa reflexão eclodiu empiricamente, como quase todas que disponho aqui, afinal, sou um materialista e também amo o que é concreto. Nesse caso, ocorreu há mais ou menos um ano, quando eu voltava do trabalho de noite: eu, um simples transeunte na rua, fui ameaçado por um grupo de vagabundos (sim, vagabundos, odeio doenças sociais), porque um deles me pediu um cigarro e eu os ignorei, ou melhor, ainda me dei a pachorra de falar que não tinha. Permaneci caminhando, e um outro deles falou meia dúzia de palavrões e fez menção de correr na minha direção. Às vezes me espanto com o meu comportamento: continuei andando, frio como uma pedra de gelo, abri o portão e fui jantar.
Se naquele dia eu tivesse um calibre qualquer na cintura, aquele vagabundo teria tomado um banho de sangue, minha ética seria lavada com o dispositivo legal da legítima defesa; não haveria culpa, e pode até ser que ali, naquela rua, emergisse na minha alma uma sensação mais prazerosa do que cinco horas seguidas de ejaculação.     

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Eu e a Direita, Afinidade à Segunda Vista

Coitadismo x meritocracia, eis a questão. O primeiro causa a sensação de incapacidade, o segundo desafia o ser humano, mas como a maioria das pessoas são medíocres e invejosas, há uma predileção geral pelo igualitarismo grosseiro.
O quadro clínico não é nada animador: nosso tempo é um tempo de vítimas. Hoje o coitadismo é institucionalizado no sentido mais fidedigno da palavra. Sim, existem instituições legais de coitados, vulgarmente tratados como “minorias”. Tenho verídicas razões para acreditar no fato de que as “minorias”, juntas, formam a maioria absoluta: essa é a derradeira face de uma sociedade de imbecis, até porque, a democracia opera pela força numérica, sendo assim, os eternos sacos de pancada são parte majoritária do nosso tecido social. É espantoso, mas encontro o viés sadomasoquista do comportamento de um povo ideologicamente mimado.
Quem será que é privilegiado? Pergunta cascuda num contexto em que as vítimas são o “palheiro” e os privilegiados são a “agulha”. Então é melhor começar pelas vítimas e suas mais modernas griffes: crianças e o “Bullying”, gays e a “homofobia”, “afro descendentes”, ou outros grupos étnicos e o “racismo”, enfim, esses são os exemplos da prateleira, mas há uma gama enorme de outros.
Hoje, todo mundo anseia pelo direito jurídico de ser feliz, daqui a pouco, a felicidade será obrigatória e quem não compartilhá-la, será preso pelo crime de tristeza. Até os comerciais de ração prometem felicidade aos cachorros e gatos.
É crível que não há mais retorno, especialmente agora, em tempos de “nova classe média”. Estamos num relativo conforto, e o desconforto é a única forma de fazer o ser humano pensar sem brincadeiras de mau gosto.
As pessoas se auto-afirmam como: “éticas”, mas ainda assim: “felizes”. Agora eu me dou ao luxo de perguntar: como pode haver ética onde só há felicidade? A ética é um sistema de valores que opera de acordo com “bem” e “mal”, como diria a música: “se o bem e o mal existem você pode escolher...” Se existe só o bem, pode existir qualquer coisa nesse lugar, menos ética.
Sou muito digressivo e tenho egressos descontrolados de tema, mas essa é minha forma de escrever, porém, no caso desse ensaio, vou voltar à questão inicial.
Os coitados, muitas vezes podem ser “cotados” (perdão pelo trocadilho). Uma das maneiras de institucionalizar esses grupos é discriminá-los por meio de cotas (qualquer tipo delas), inserindo na cabeça das pessoas a idéia de que há uma “dívida histórica”, termo ridículo, afinal, a humanidade sempre caminhou na direção do contágio e da sobreposição de uma raça sobre outra, isso é o Darwinismo na sua mais didática amostra. Se construirmos esse senso de “dívida”, giramos num embate ad eternum, onde a humanidade nunca abandonará os seus “credores”, afinal, se estamos endividados, os coitados são nossos credores. 
Outro aspecto interessante, no caso das cotas universitárias sociais, é entendermos o papel da universidade pública. É comum escutarmos: “o aluno estuda em escola pública, e, no curso superior, acaba indo pra educação privada”. É esse o tipo de pensamento que distingue sociedades como as latino-americanas das anglo-saxônicas. Lá, a cultura é de meritocracia, olhar para frente. Aqui, olhar para o passado e o maldito coitadismo. Nos países capitalistas do primeiro mundo, há uma noção geral do papel da universidade pública (isso não exclui as privadas, que são maioria): que é o de gerar tecnologia e devolvê-la à sociedade, isso é retribuir os impostos que sustentam o mundo acadêmico, além do que, não é possível corrigir patologias sociais colocando, nas faculdades de ponta, meia dúzia de alunos de escola pública, negros ou não, por meio de cotas. Isso só mascara o problema, e pior: o legitima. A real fratura é a péssima condição da educação de base, e não adianta oferecer remédios paliativos depois de 10 ou 11 anos. Para que a academia possa produzir ciência útil à sociedade que a financiou, é necessário que os alunos sejam os melhores, independente de o cara ter vindo do Jardins, de Higienópolis ou da periferia de Osasco.
Coitados, aprendam de todas às vezes por nenhuma: a riqueza não é uma dádiva. O pensamento técnico burguês produziu o que há de mais avançado em matéria de economia. Ingenuidade ou má-fé? O que leva vocês a pensarem que a miséria não é a ordem natural das coisas? Talvez vocês pensem que no começo da humanidade, a vida era confortável e igualitária, mas eclodiu um certo grupinho de pessoas más, e usurpou todos os valores materiais em nome do privado.
A pobreza é a regra, temos que aprender como se produz valor, pedir esmolas não me parece a melhor solução.


Justiça social é oferta de emprego, o resto é puro Darwinismo. Chega de vítimas!

sábado, 20 de julho de 2013

A Ética da Cocaína e a Barbárie da Democracia

“Representação”, eis a palavra prática no exercício da democracia. É claro que na ordem etimológica, tão citada em artigos acadêmicos, podemos inferir que um sistema democrático é aquele no qual o povo detém o poder máximo. Teoricamente (e hipocritamente) o sistema político brasileiro opera dessa forma, mas a hipocrisia, nesse caso, é saudável: qualquer Estado que opera de acordo com a legitimidade democrática se torna uma máquina a serviço da barbárie, exemplos nos são abundantes.
O “Estado Democrático de Direito”, epíteto amado pelos doutrinadores jurídicos e operadores do direito, determina a aplicação jurídica e empírica da Democracia, um exemplo: o famoso “Ordenamento Jurídico”, tese do grande jurista Hans Kelsen, nos mostra como o povo deve se comunicar com a lei. Segundo o nosso ilustre austríaco, a legislação precisa se organizar de forma piramidal, assim, existem uma série de leis menores que formam o piso horizontal da pirâmide (as infraconstitucionais), submissas ao resto do ordenamento. A lei máxima (ponto culminante da pirâmide) é a constituição, onde não há leis tão práticas assim, o que existe é mais uma regra moral de funcionamento das instituições, e essa regra moral tem que advir dos valores culturais e éticos da sociedade.   
Como esse poder incorre a perda de legitimidade? Simples, quando o administrador da res publica perde a consciência do seu papel e ignora o que o povo pensa. Os recentes protestos ocorridos no nosso país são um exemplo claro do processo de ruptura do Estado Democrático. Sempre que há essa separação, vivemos tempos de grandes revoluções.
Algumas poucas vezes, esse processo não ocorre via tomada abrupta de poder (revolução), mas acontece de forma paulatina, como um parasita se infiltrando no organismo do poder. No segundo exemplo o sangue é o diálogo e a discriminação é a lei. São raras as exceções, algumas delas podemos ver no documentário: Off the Grid (Fora da Rede); nesse filme, o diretor Alexander Oey, viaja por cidades no interior dos Estados Unidos, para mostrar o modo de vida de algumas pequenas populações que sofreram grandes danos econômicos no crash de 2008. Muitos grupos chegaram até a criar uma economia paralela com moeda local.
Mas não vou me prender a esse exemplo, afinal, tudo o que os EUA fazem é bem feito. Prefiro um exemplo latino americano, fiquei em dúvida entre um brasileiro e um colombiano, Canudos e Medellín, respectivamente. Optei pelo colombiano porque também podemos discutir uma questão ética: a pena de morte.
No final dos anos 80, emergira em Medellín o maior narcotraficante da história: Pablo Escobar. Com um patrimônio pessoal bilionário, não se sabe ao certo o valor de mercado, a revista Forbes o listou como o sétimo homem mais rico do mundo. Pablo não tinha apenas dinheiro, tinha influência e apoio político, não o apoio dos políticos, mas apoio do povo que o elegeu para o congresso da Colômbia. Escobar construiu uma sociedade paralela, supriu demandas que o Estado jamais fora capaz: construiu casas populares, escolas, hospitais, milícias de segurança e até campos de futebol. Eu diria que ele praticou o crime de lavagem de moral, ou lavagem de cocaína. El patrón del mal, como era chamado, se tornou um verdadeiro representante, um líder, no final: um mártir. Sua personalidade foi cultuada, seu funeral lotou as ruas de Medellín.
Pablo Escobar definitivamente estruturou um Estado paralelo, mas como um parasita, e sua economia emergiu com base na exportação de toneladas de cocaína para a Europa e a América no Norte, inclusive controlou 80% do tráfico mundial.
Seu poder não era “institucional”, mas afinal, o que é: “legitimo”, “institucional” , “legal”? Será que é colocar a bunda gorda na cadeira do poder e usar terno e gravata? Só pode ser isso, pois duvido que algum governante da América Latina, hoje, seja tão legítimo quanto Pablo o foi. Muita gente o condena dizendo que ele foi cruel e matou muitas pessoas. Mas é isso mesmo: se você tem um poder estatal, é necessário criar leis e fazê-las funcionar, foi assim que o Cartel de Medellín operou, essa é a ética do crime organizado, uma ética quase sempre inexorável.
Não quero denegar os crimes que foram praticados contra os “human rights”, mas os próprios defensores dos “human rights”, praticam a pena de morte, mantém presos sob regime de tortura em Guantánamo, e são coniventes com a barbárie que é praticada no Oriente Médio, na África e em países da Ásia, afinal, há interesses econômicos em jogo, “apedrejar mulheres é uma questão cultural”. Dá pra entender por que falo que a democracia, no rigor da palavra, é uma máquina a serviço da barbárie?

A pergunta final é: o que é um governo legítimo? Ainda acho que é aquele que têm mais força militar, porque, a democracia é falha: nunca a alcançamos na sua real condição (como em Pablo Escobar), mas se chegamos perto, mostramos o que há de mais cruel no ser humano potencializado à grupo.