A psicanálise é o estudo fenomenológico do que é
desprezível. O que a ridiculariza (as sessões e seu estudo) é o utilitarismo
dos psicanalistas e a tentativa de compreensão dos grandes movimentos
históricos determinados por grandes teorias. Lacan, em seus seminários, ressuscitou
a psicanálise freudiana, pois, segundo aquele, o método psicanalítico estaria
se tornando uma espécie de auto-ajuda. De acordo com Jacques, o sujeito não
encontra seu “Eu” numa circunscrição recôndita da palavra: não há nada mais que
possa ser dito, portanto, a problemática é intransponível ao âmbito da
etiologia. Simplificando: não há cura depois do diagnóstico, até porque, a
matéria opera à base de análise psíquica, não de terapia para loucos.
A psicanálise é inútil em todas as suas vertentes (exceto em
algumas empresas, nessas, ela tem o papel de tornar os empregados cada vez mais
retardados e babões) e não nos oferta nenhuma variedade casuística para que
cheguemos a alguma conclusão veemente sobre alguma coisa. Esse é o encanto: a
observação do pequeno gesto, do inconsciente encarnado e do impulso que
destrói, no máximo, uma barata. Não há nenhum monstro dentro de nós que
precisamos conhecer: nossa monstruosidade é quase sempre inócua
se possuirmos apenas nossa fisiologia como arma.
Com a técnica ganhamos extensões aos nossos corpos; se,
outrora, havia implosões, agora haverá explosões de todos os níveis. Freud foi
o mais famoso profeta da Primeira Guerra Mundial. Isso me leva crer que o pai
da psicanálise, assim como eu (nada pretensioso) e Lacan, considerou seu estudo
como algo voltado a fenômenos ínfimos: nosso instinto seria destruidor, mas só
seria problemático, de acordo com o avanço da técnica científica: essa que era
a maior preocupação do nosso mestre. Enfim, a psicanálise não serve pra nada,
mas Freud (Freud é Freud) conseguiu tirar algum proveito para demonstrar
grandes fatos, mesmo assim, minha predileção é pelo mundo onírico e o movimento
das mãos.
Não quero falar sobre sonhos: esses já foram excentricamente pintados pelos surrealistas, vanguardistas do século XX: veja uma obra de
Salvador Dalí e não restam mais palavras diante da beleza.
O movimento das mãos é o que me instiga. As mãos, símbolo da
vergonha! Talvez seja pelo seu caráter meramente executório e contraditor do
raciocínio. Proponho um exercício ao olhar: fite alguém que está parado, de pé,
por alguns instantes; se o alvo estiver com as mãos soltas (sem objetos, fora
dos bolsos e braços descruzados) desconfie de que seu ser de análise é um
psicopata. Não se espante: eles são poucos. As mãos são o sinal máximo do
superego: nosso inconsciente, às vezes nem tão irracional assim, é uma polícia
do gesto: nos preocupamos com o que o outro pensará ao ver nossas mãos soltas.
Não é suficiente? Então experimente ser o psicopata: pode ser num ponto de
ônibus (rico laboratório humano). Solte suas mão e não as ocupe. Por quanto
tempo suporta, e, se suportar, qual o tamanho do desconforto?
De mãos entendo, e muito! Sou instrumentista, tenho
destreza, mas não por isso. Sofri de uma neurologia, mas já estou curado,
chamada “tremor essencial”. Essa esquisitice não é uma peculiaridade do ser que
vos fala. Não procurei tratamento clínico, mas entrei em contato com pessoas
que tem o mesmo problema: estamos na fila, esperando nossa doidice entrar no ar
na novela das oito; só assim poderemos nos apropriar do politicamente correto
ao nosso favor.
Não consigo explicar o distúrbio de forma técnica, mas vou
compartilhar minhas agonias e a forma (como presumo) que me livrei dessa.
Recordo o começo: foi no ano de 2007, na escola, no fim do
período letivo. Num dia qualquer, receberíamos as notas que definiriam as
aprovações e as reprovações. Eu, como péssimo aluno que fora, tinha a quase
certeza da repetência. Minha segurança sucumbiu diante de um pânico sem
explicação. Quando a diretora da escola (ela que divulgaria as notas em
conversa particular com cada aluno) entrou na classe, o nervosismo tomou conta.
Até aí tudo bem, mas meu número era o 33! Quer dizer, teria que esperar trinta
e duas pessoas até saber o que aconteceria comigo. A cada resultado a ansiedade
aumentava e com ela o tremor, ainda que pequeno. Mas, próximo ao número 25,
comecei a perder o controle sobre minhas mãos. Quando minha hora chegou, soube
que havia sido aprovado (ninguém é reprovado em escola pública), mas no momento
de assinar o boletim rabisquei todo o papel. Risos? A diretora até me disse:
“gostei da assinatura”.
Esse é o debute da tragédia que durou uns cinco anos. Daí em
diante, eu não consegui assinar um documento, com alguém me observando, sem
tremer descontroladamente. Depois que terminei o ensino médio as coisas
melhoraram; justamente no ano seguinte me dei por curado. Minhas últimas
memórias são as da época do serviço militar obrigatório, na primeira fase do
recrutamento, quando assinei alguns documentos e a mulher que me via
assiná-los, perguntou em voz alta se eu estava com medo. Todas as pessoas que
estavam na sala me olharam, mas fiquei tão pálido e abismado que não percebi a
reação delas. Voltei outras vezes para dar continuidade ao processo, mas não sem
antes passar uma noite em claro, fumando dois maços de cigarro e até tomando
vinho de garrafa de plástico. Eu chegava ao recrutamento tão acabado que não
tinha nem ânimo pra pensar em tremer novamente.
Enfim, troquei o tremor pelo cigarro. Hoje não preciso mais
desse método, mas divido minha solidariedade (que é rara) com quem vive esse
trauma.
As mãos, meus amigos! As mãos! O que seria da técnica sem o
desenvolvimento do polegar? Por onde andariam os fantasmas internos sem elas?
Entendem minha predileção pela psicanálise pequena?
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