terça-feira, 30 de julho de 2013

Atavismo: Meu Pai e Minha Mãe

A urgência da necessidade é o embrião dos espíritos inquietos. Não há beleza na poesia que não urge, só há falácia de um escritor que busca o desconforto, pois o desgraçado sabe que sem essa instigação, sua obra não existe.
Herdei pouca coisa da minha mãe, talvez a repulsa a algumas pessoas, mas nada tão estimado quanto a obra completa do “Graça” (como diria Xico Sá), o eminente Graciliano Ramos. Dentre esse rico compêndio do Graça, encontrei uma compilação de textos escritos para um jornal de Alagoas. O livro chama-se “Linhas Tortas”, tem uma grande didática que deveria ser ensinada nas faculdades de jornalismo. Uma das crônicas do hebdomadário fazia uma crítica feroz aos escritores europeus (guardo Balzac na memória) pela ininterrupta construção de espíritos complicados, distantes do homem comum, ininteligíveis e quase sempre inquietos sem razão alguma.
Mas esse Graça era uma cabra da peste mesmo! Como bom materialista que sou, compartilho da mesma intolerância do nosso mestre. Há obras que me fazem perquirir perseverantemente em busca de um significado, mas escavo até o último grão e acabo frustrado por não encontrar nada.
Sou vil, gosto do material e nele encontro minha alma. Minha predileção é pela rotina, o hábito, as necessidades fisiológicas, as paredes que me escondem do mundo e o chão que suporta meu peso (que não é muito) pacientemente, pois um dia haverá vingança e desse, que hoje piso, serei mais um subalterno enterrado.
Graciliano era do nordeste, sabia do que falava: aquele povo é o abstrato encarnado pelo sofrimento. Lá não há inquietação de barriga cheia: o homem sabe o valor e o fado da existência e não anda por aí destilando falsidade para vender best-sellers ou agradar gente “pós-moderna” que acha que vivemos numa crise psicológica. 
Até na arte tem gente falando em inquietação, talvez seja uma forma de marketing pessoal: é mais chique sentir fome de criação. Conheço esse processo muito bem e posso cravar: o deleite pela arte só vem depois de muito metodismo diário, por isso que tanta gente fica no meio do caminho, é uma chatice que praticamos como quem sorri ao chefe para não ser demitido. Após um tempo razoável, adquirimos o vício pelo ritual, aí sim, temos a necessidade de entrar em contato com o processo artístico. É uma questão de praxe.    
Nem o espírito é capaz de emanar beleza! O concreto nos mostra o que é agonia, se duvida: fique três dias sem comer. É essa a urgência que idolatro: sem ela não há coração.
Sou um boêmio: preciso do meu cigarro, minha cerveja, meu whisky e um bar aconchegante. Também amo minha casa, meu sofá, minha cama, minha TV, meus discos, meus livros, meu violão e minha privada. Qualquer alteração nessa ordem me causa um grande distúrbio psíquico. Preciso das coisas sempre no mesmo lugar. Também adoro gastronomia: sem comida a vida seria um erro! Pereço no meu hedonismo todos os dias, mas é isso que quero: envelhecer aquiescendo a sedução dos pequenos prazeres. Não deve ser à toa que meu último sobrenome é Prazeres, a única coisa que herdei do meu pai.
Enfim, minha vida sem tudo isso seria infernal e me daria motivos de sobra para ter um espírito inquieto.
Já sei que minha ontologia como escritor não é tão insigne quanto a dos franceses. Perdoem-me se meu estro depende de fracassos pessoais, mas assim sou: primeiro perco a mulher, o emprego, o amigo, o dinheiro e a janta, depois é possível auferir uma leve impressão da vida. Não recebo entidades, não vejo gente morta e não possuo estrutura ontológica fora do estado físico das coisas.    

Não posso finalizar sem falar do meu humor preferido: o mau. Da mesma forma que não vejo razões para inquietação, também não as vejo para felicidade. Essa imensidão de vazio concreto das coisas me incutiu o pecado da preguiça. Às vezes não tenho ânimo nem pra acordar e ver a cara de bunda desse mundo. 

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