segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Intempéries em Detrimento da Inteligência

O estupor da América de baixo, vez ou outra interrompido pela nostalgia revolucionária, demanda uma análise estrutural das suas causas. Distante de qualquer persecução por bodes clássicos (mídia, governo, família etc.), a compreensão da constante afasia política e intelectual que nos permeia, exige a coragem de quem está disposto a fitar a tragédia de uma patologia congênita e, muito provavelmente, crônica. 
Não, não é minha pretensão retornar a condição adâmica do homem explorada em meus ensaios anteriores. A aparição metafísica dessa reflexão aconteceu numa discussão vulgar acerca de valores culturais. Falávamos (não importa quem, como e onde) sobre a contenda histórica entre paulistas e cariocas. Uma das pessoas envolvidas no debate internacionalizou o papo com aquele chavão de que europeus são menos afetivos que os brasileiros. Retornei ao debute da conversa e tentei explicar diferenças de hábito que nos impressionam pelo que é estranho; exemplo: na cidade fluminense as pessoas vão ao banco de sunga, já na paulicéia, isso seria no mínimo caricato, senão, atentado ao pudor. Uma pessoa contra-argumentou ressaltando que no Rio há praias, logo, esse costume tosco entraria numa certa esfera de “normalidade”. Com o povo do velho continente sucede o mesmo fenômeno. As condições naturais do ambiente podem ser muito mais determinantes ao intelecto do que as relações políticas vigentes. Falo de cátedra, sei o quão é árduo pensar debaixo de um sol de trinta e cinco graus, mas, também sei o ensejo que a geada me oferece de ler um Proust, escutar um Debussy ou hipotetizar uma morte deliberada nas madrugadas. 
É plausível o fato de que preferimos o social em detrimento do intelectual, a meteorologia explica. 
É indiosincrático: a folia do carnaval, os abraços vagos e os sorrisos tolos são extrínsecos ao inglês, ao dinamarquês, ao norueguês e ao russo, afinal, eles têm motivos sobrando para não sair de casa. Já o latino americano, adora aproveitar o sol rachando para ir ao bar tomar cerveja. 
Introspecção X socialização, eis a patogenia com a qual chegaremos à inevitável segregação por estilo. Freud, em “Mal-Estar na Civilização”, dentre outros dois elementos, classificou a entropia (relação do homem com a natureza) como uma das principais causas de dor e agonia da espécie humana. O estoicismo do mundo concreto as nossas angústias pode levar à insanidade, um clássico exemplo é quando a criança ousa questionar o tamanho do universo, assim como o fez Stephen Dedalus:

Que é que haveria depois do universo? Nada. Mas haveria qualquer coisa em volta do universo para mostrar onde ele parava antes de começar o lugar do nada? Não poderia ser uma parede; mas bem que podia ser uma linha fininha, lá bem em volta de tudo. Era uma coisa muito grande para poder pensar em todas aquelas coisas e em todos aqueles lugares.” 
James Joyce; “Retratos de Um Artista Quando Jovem”. 
Tradução: José Geraldo Vieira, maio 1971. Editora: Civilização Brasileira S.A.  

Não existe patrimônio seguro, assim como não há instrumento de contenção. A deflagração de uma catástrofe cósmica pode reduzir à pó toda a história, toda axiologia e todos os edifícios. Será que existe algo em algum rincão que desconhecemos? Quem pode garantir que nunca houve civilização, humana ou não, cosmos afora? E se já existiu? E se existe? Será que são mais avançados do que nós? 
Só quem cresce infantilmente se torna adulto de verdade. Gente grande trabalha e se onera com um plano de carreira qualquer, ao passo de que não há mais tempo abundante para a instigação trágica. 
Enfim, como seriam os seres de um mundo distante? Provavelmente, esculpidos pela natureza climática do lugar, assim como os cariocas. 
A sede constante faz o errante do deserto idolatrar a água, assim, o coração não pulsa sem amor, ódio, raiva, inveja e ópera. Esse é o drama da poesia: sem solo fértil para a ontologia, a individualidade não existe, mas o que é inerente a fatores externos esgota a capacidade de ser puro, sendo assim, não temos personalidade redomática: o livre arbítrio é a maior mentira que a modernidade vociferou. Não me espanto mais com a tomada de consciência, mas, o pungente é que quando ela acontece, sua própria condição já implica num cárcere eterno da alma. 
Viver é como sentar na privada: quando você levanta e olha pra trás, a merda já está feita!

Um comentário:

  1. Texto impressionante. Nietzsche já havia nos dito que a cultura de um povo depende exclusivamente das condições geográficas de um lugar. Gostei: é a primeira vez que ouço você se manifestar tão veementemente contra o livre-arbítrio.

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