segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Who’s Got My Back Now?

A normalidade, como conceito, só pode ser conferida como produto da consciência do sujeito. O estado de “normal” jamais encontrará uma definição verossímil de forma absoluta, assim, para não entrarmos num caos sem fim, desfruto do imperativo categórico kantiano: só esse dispositivo filosófico me ourtoga suporte em determinadas problemáticas um pouco mais abstratas e, portanto, “líquidas”, como dissera Bauman. Num mundo deficiente, tudo o que não é fato empírico vira ar: algo que não vemos, mas sentimos apenas por intuição instintiva. 
Hoje, não há mais porque falar em discurso. O filósofo se tornou um amedrontado que se dá por contente apenas com o diagnóstico das coisas. Conjeturar acerca de valores ou tentar impugna-los, é tão eficaz quanto implorar pela vida na frente de um psicopata armado. 
Essa axiologia abismática não me enerva nem um pouco a escrever todos os dias, afinal, porque me movo quando minha impressão é a de que as cordas que me suspendem são tão frágeis e ignóbeis? Bem que eu queria acreditar que estou no caminho e todos os que não segui levariam a lugares piores do que meu status atual, mas não há garantias, a contingência só deixa questões implícitas. Nada me leva a crer que há vínculos mais fortes do que o futebol, o trabalho, a escala pentatônica e as pernas femininas transeuntes. Isso é tudo que constrói a sinergia que tenho com meus amigos e a puxar conversa com estranhos, deve ser esse o motivo pelo qual ainda não fui apresentado a um messias, um daqueles como Aliócha Karamazov. 
Não é humano viver nessa ilusão, pelo menos, não é normal de acordo com o sistema de pensamento kantiano. O quinhão majoritário da nossa espécie caminha inebriado, não pela política, mas por um encantamento sublime, inacessível a quem não treme diante da catástrofe existencial. 
Interpretar a consciência de pessoas ordinárias não é uma destreza que possuo, por isso, me satisfaço só com o verbo externado em público, talvez, esse seja meu maior defeito, mas, como não encontro ferramentas mais precisas, não me resta base para identificar etiologias. 
Se existe pensamento íntimo indigno de ser exposto, deve existir verdade. O fundo d’alma deve ser o único lugar fértil para o crescimento da proximidade com Deus. Sou narcisista, portanto, desconectado. 
O hinduísmo é uma das religiões mais intangíveis que existem, suas relações de abstração prezam pela palavra. Segundo a doutrina, o que é jogado ao vento repercute e retorna a quem o fez. Como nosso mundo é sujo e pecaminoso, é melhor a criatura repousar numa afasia sacra: cale a boca e não arranje problemas, o que importa é a relação interior. 
Deve haver algo no foro íntimo do secto religioso: uma comunicação espiritual que blasfemadores não entendem; só pode ser isso!
Aguentem essa ateus: somos os aleijados defeituosos! Algum anjo mal, imbuído de teodiceia, cortou nossas asas. A queda foi feia: arrebentamos a cara no exílio do paraíso e agora rastejamos com problemas respiratórios, enquanto isso, a santa humanidade paira sobre nossas cabeças e dá risada da nossa condição de serpente amaldiçoada. 
Onde buscar redenção? No reconhecimento de que não somos nada diante de um Deus tirânico? Essa conexão é extrínseca à vaidade, as duas não se dão muito bem. O homem que leva Narciso na barriga, de tão gordo, entala na porta do éden. 
Outro fundamento deveras relevante é esquecer a recompensa: admitir a possibilidade da coexistência de Deus e da finitude plena da vida carnal e espiritual. As trevas eternas não excluem o que é sagrado. O fato de a morte ser um fato determinado e imutável e da inexistência ser sempiterna não é uma das falácias mais argutas para o ateísmo. 
Talvez, tudo não passe da obra de uma bordadeira cega. A escultura também não ama o escultor, a música não tem afeto pelo músico e o peido nunca idolatrou a bunda. Mas, o artista admira sua obra e o ânus adora soltar um pum. Vejam só como o amor verdadeiro não pode ser recíproco! Só assim tenho esperança de que haja piedade para indiferentes, como eu. 
Sou uma obra vil, daquelas feitas em dias sem inspiração, que não transpõem emoção, que não transcendem e que não se enquadram no que Picasso definiu como: “a mentira que revela a verdade”. Só uma criatura, ou obra, feita com o estro divino, pode dialogar com o criador ou com o artista. 
Anseio pela humildade e por aceitação das hipóteses trágicas, mas, no dia que isso acontecer, já não estarei mais aqui: debruçado, tentando escrever alguma coisa fútil. Será que Deus acredita no herege que vos fala? Só espero não ser mais uma daquelas músicas que, de tão repetidas, dão ânsia e causam enfado no compositor que a executa sem intermitências. Maldito é o dia em que colocamos uma merda dessas no mundo! Isso só acontece com canções populares, ufa! Sinto-me tão distante dos ateus pueris. Às vezes, o pintor ama seu quadro defeituoso apenas pela originalidade: esse é o único resquício de expectativa que pode me absolver do fogo mefistofélico ou das trevas esquecidas.

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