terça-feira, 23 de julho de 2013

A Beleza do Sangue sem Amor

Nunca vi a beleza do bem, aliás, nunca vi bondade. Eu não apostaria na sua inexistência: se tanta gente se acha virtuosa, deve haver uma antítese do mal que desconheço. Talvez, meu espírito de porco esteja com uma venda sobre os olhos da alma. E o amor? Esse é um dos maiores embusteiros, e pior: sempre anda por aí com a estética do sublime. Amar é uma missão árdua, repare que os “semi-deuses” (como diria Fernando Pessoa), nunca têm estômago para falar das qualidades de outrem, mas quando o papo é se auto-adjetivar, os famigerados por Pessoa, são verdadeiros profissionais. 
Vejamos: recolha todas as suas memórias nas quais uma pessoa exaltava as qualidades de um terceiro (a mãe não vale). São ínfimas, não? E você, qual a última vez que elogiou alguém (nem pense em ídolos que você não conhece)? Agora faça o mesmo exercício, porém no sentido inverso. Sem espanto! Odiar é muito mais fácil e aprazível, o ódio aglutina os indivíduos, cria grupos, sociedades e até mesmo o amor. Não me causaria espécie, descobrir que o amor não passa de uma justificativa do ódio. Parece-me que a repulsa, seguida da vontade de destruir, chega primeiro do que o afeto a determinado objeto. Exemplo: palestinos mais odeiam o Estado de Israel e seu povo do que têm amor à própria pátria, e vice-versa.
O motivo é o nosso maior guia da vida moral racional, a partir da hora em que o possuímos, temos o endosso do espírito para praticar qualquer barbárie. Será apenas uma questão de legítima defesa, ou será uma vontade latente e reprimida de destroçar tudo o que estiver no nosso caminho? A segunda alternativa me parece mais plausível, não podemos negar que somos animais, e, como tal, sedentos por liberação de impulsos nefastos.
O nosso mundo têm construído, inconscientemente, mecanismos terapêuticos para dar vazão ao nosso instinto destruidor. Um desses mecanismos se tornou uma verdadeira vitrine da imbecilidade humana: as academias de ginástica e suas “artes” marciais. Outrora, o excepcional filósofo, Leandro Karnal, refletiu em público sobre o tema (olhem só a provocação): “numa sociedade normal, considerando nossos próprios padrões de normalidade, pessoas que sentem prazer vendo dois caras se socando, seriam levadas imediatamente a um tratamento psiquiátrico, mas, ao invés disso, compramos ingressos e idolatramos o espetáculo de horror”. Acrescento, não só pagamos, mas também queremos fazer parte da selvageria. Já ouvi uma série de pessoas, até mesmo próximas, falarem que vão à academia com o intuito de descarregar as tensões cotidianas. Acho que já se foi o tempo do yoga ou da meditação no deserto do Atacama, o negócio agora é enfiar a porrada, até porque, “guardá-la é pior” (como diriam os “especialistas” que aparecem nos jornais da Globo), “mas é necessário ter moderação”. 
Esse é o diagnóstico que me faz descartar a hipótese da legítima defesa. Felizes são aqueles que podem encontrar justificativas políticas e morais para os seus crimes. 
Essa reflexão eclodiu empiricamente, como quase todas que disponho aqui, afinal, sou um materialista e também amo o que é concreto. Nesse caso, ocorreu há mais ou menos um ano, quando eu voltava do trabalho de noite: eu, um simples transeunte na rua, fui ameaçado por um grupo de vagabundos (sim, vagabundos, odeio doenças sociais), porque um deles me pediu um cigarro e eu os ignorei, ou melhor, ainda me dei a pachorra de falar que não tinha. Permaneci caminhando, e um outro deles falou meia dúzia de palavrões e fez menção de correr na minha direção. Às vezes me espanto com o meu comportamento: continuei andando, frio como uma pedra de gelo, abri o portão e fui jantar.
Se naquele dia eu tivesse um calibre qualquer na cintura, aquele vagabundo teria tomado um banho de sangue, minha ética seria lavada com o dispositivo legal da legítima defesa; não haveria culpa, e pode até ser que ali, naquela rua, emergisse na minha alma uma sensação mais prazerosa do que cinco horas seguidas de ejaculação.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário