Nunca vi a beleza do bem, aliás, nunca vi bondade. Eu não
apostaria na sua inexistência: se tanta gente se acha virtuosa, deve haver uma
antítese do mal que desconheço. Talvez, meu espírito de porco esteja com uma
venda sobre os olhos da alma. E o amor? Esse é um dos maiores embusteiros, e
pior: sempre anda por aí com a estética do sublime. Amar é uma missão árdua,
repare que os “semi-deuses” (como diria Fernando Pessoa), nunca têm estômago
para falar das qualidades de outrem, mas quando o papo é se auto-adjetivar, os
famigerados por Pessoa, são verdadeiros profissionais.
Vejamos: recolha todas as suas memórias nas quais uma pessoa
exaltava as qualidades de um terceiro (a mãe não vale). São ínfimas, não? E
você, qual a última vez que elogiou alguém (nem pense em ídolos que você não
conhece)? Agora faça o mesmo exercício, porém no sentido inverso. Sem espanto!
Odiar é muito mais fácil e aprazível, o ódio aglutina os indivíduos, cria
grupos, sociedades e até mesmo o amor. Não me causaria espécie, descobrir que o
amor não passa de uma justificativa do ódio. Parece-me que a repulsa, seguida
da vontade de destruir, chega primeiro do que o afeto a determinado objeto.
Exemplo: palestinos mais odeiam o Estado de Israel e seu povo do que têm amor
à própria pátria, e vice-versa.
O motivo é o nosso maior guia da vida moral racional, a
partir da hora em que o possuímos, temos o endosso do espírito para praticar
qualquer barbárie. Será apenas uma questão de legítima defesa, ou será uma
vontade latente e reprimida de destroçar tudo o que estiver no nosso caminho? A
segunda alternativa me parece mais plausível, não podemos negar que somos
animais, e, como tal, sedentos por liberação de impulsos nefastos.
O nosso mundo têm construído, inconscientemente, mecanismos
terapêuticos para dar vazão ao nosso instinto destruidor. Um desses mecanismos
se tornou uma verdadeira vitrine da imbecilidade humana: as academias de
ginástica e suas “artes” marciais. Outrora, o excepcional filósofo, Leandro
Karnal, refletiu em público sobre o tema (olhem só a provocação): “numa
sociedade normal, considerando nossos próprios padrões de normalidade, pessoas
que sentem prazer vendo dois caras se socando, seriam levadas imediatamente a
um tratamento psiquiátrico, mas, ao invés disso, compramos ingressos e
idolatramos o espetáculo de horror”. Acrescento, não só pagamos, mas também
queremos fazer parte da selvageria. Já ouvi uma série de pessoas, até mesmo
próximas, falarem que vão à academia com o intuito de descarregar as tensões
cotidianas. Acho que já se foi o tempo do yoga ou da meditação no deserto do
Atacama, o negócio agora é enfiar a porrada, até porque, “guardá-la é pior”
(como diriam os “especialistas” que aparecem nos jornais da Globo), “mas é
necessário ter moderação”.
Esse é o diagnóstico que me faz descartar a hipótese da
legítima defesa. Felizes são aqueles que podem encontrar justificativas
políticas e morais para os seus crimes.
Essa reflexão eclodiu empiricamente,
como quase todas que disponho aqui, afinal, sou um materialista e também amo o
que é concreto. Nesse caso, ocorreu há mais ou menos um ano, quando eu voltava
do trabalho de noite: eu, um simples transeunte na rua, fui ameaçado por um
grupo de vagabundos (sim, vagabundos, odeio doenças sociais), porque um deles
me pediu um cigarro e eu os ignorei, ou melhor, ainda me dei a pachorra de
falar que não tinha. Permaneci caminhando, e um outro deles falou meia dúzia de
palavrões e fez menção de correr na minha direção. Às vezes me espanto com o
meu comportamento: continuei andando, frio como uma pedra de gelo, abri o
portão e fui jantar.
Se naquele dia eu tivesse um calibre qualquer na cintura,
aquele vagabundo teria tomado um banho de sangue, minha ética seria lavada
com o dispositivo legal da legítima defesa; não haveria culpa, e pode até ser
que ali, naquela rua, emergisse na minha alma uma sensação mais prazerosa do
que cinco horas seguidas de ejaculação.
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