A observação de algumas expressões vendidas no
entretenimento mainstream (filmes,
músicas, literatura, novela, etc.) me causou uma impressão estranha: o que é
comercializável, em matéria de cultura, deve ser narrado em compassos extremamente
rápidos em detrimento da busca pelo visceral, pelo conhecimento de um fato
pequeno, cotidiano, aparentemente desprezível; naquele tipo de produção, mainstream, só importa o que é objetivo.
Observem as novelas, sempre o mesmo enredo: de manhã: café
da manhã para discutir a relação familiar, claro; de tarde fatos importantes no
desenvolvimento da trama; de noite: jantares românticos, em família ou com os
sócios, às vezes um homicídio básico, coisas comuns na vida de qualquer pessoa.
Nos filmes é a mesma inaudita criatividade. Na música, é introdução, andamento,
refrão, andamento, refrão e fim. É uma ordem medíocre que preza pela narrativa
rápida, afinal, ela é um engodo muito mais eficiente.
Como são raros cineastas como um Ugo Giorgetti, seu tempo de
narração é sempre dentro de períodos curtos, nada de longas histórias de dez ou
vinte anos, no máximo dez ou vinte horas, mas que revelam um olhar sempre muito
perspicaz sobre as coisas, sucessos pequenos que constroem e destroem nossas
vidas todos os dias. Como é instigante assistir um filme desses! Como a alma se
eleva quando escuto um John Coltrane, ou um Shostakovich! Como são belos os
pequenos acontecimentos cheios de espírito em Guimarães Rosa ! Mas essa é uma luta que já debutou perdida,
não porque as pessoas são ignorantes e não sabem apreciar uma arte mais
sofisticada, mas porque o modelo de narração da cultura de massa é insuperável,
isso torna crível diante dos meus olhos, o fato de que há uma deliberação,
muito inteligente, que faz com que haja consumidores para essa arte duvidosa.
A conclusão é a de que tudo deve ser abrangente e conciso,
ou seja, denso, mas denso de fatos, não de qualidade. Isso é a história!
Comecei a pensar nisso quando me deparei com os filhos
bastardos de Marx que berram nas ruas de São Paulo. Uma coisa admito
compulsoriamente: eles estão fazendo história e a história é isso: um lixo
travestido de estética. Quando lemos um livro de história, sempre pensamos em
épocas efervescentes, cheias de acontecimentos a nível universal, mas se
estamos presentes em um período como esses, saboreamos uma das experiências
mais broxantes ao ser humano: a consciência de que tudo é banal e fútil.
Retornando à narração, os livros de história são como o
entretenimento barato: narram os fatos de forma rápida e densa, para pensarmos
que o ser humano sempre foi foda.
A diferença entre conhecer acontecimentos teoricamente e
empiricamente, é a mesma de escutar uma partida de futebol pelo rádio e
assisti-la ocularmente, seja na TV ou no campo: é uma disparidade sem régua que
a meça.
Algo que já foi dito muitas vezes, mas é imprescindível
repetir, é a inegável futilidade da vida: a vida é fútil, na maior parte do
tempo sem graça, tributável, sem cor. A rotina não foge de nós, precisamos
acordar, trabalhar, ir ao banheiro, almoçar, falar bom dia, ter hábitos. Eles,
os hábitos, são a manutenção do corpo.
Nesse maldito tempo de felicidade universal, quem não
coleciona experiências, entra em depressão, desperdiça a dádiva da existência.
Ora, a vida tem que ser desperdiçada, como diria o Ponde: “sangramos para
gerar”, isso é viver. Mas para os idiotas, viver é ir ao Playcenter, ao show do
Metallica e encher a cara todo final de semana (esses são os idiotas
farofeiros), ou viajar pela Europa, conhecer lugares exóticos, entrar em
contato com outras culturas, quase um globo repórter (esses são os chiques), e o
que os dois têm incomum é a negação sistemática de que a existência é vã, tanto
que o clichê favorito deles é: “não viva em vão”. É uma busca frenética pelo
intenso, aquele mesmo da narrativa do mainstream.
Talvez seja esse o motivo de sucesso da arte comercial: ela faz o homem se
sentir importante e capaz: capaz de mudar o mundo, de ter sensações extremas,
de viver sempre inebriado pelo que é grande.
Sei lá, acho que às vezes é melhor meter a cara na bíblia.
Ao menos ela me lembra que ainda sou humano, frágil como poeira e inútil como
um ser que nasceu submisso a um Deus tirânico.
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