Famílias não precisam de diálogo e amizades não se sustentam
à base de afabilidade: esse deveria ser o princípio irrefutável das boas e
saudáveis relações. Há até um valor, na tradição religiosa, que diz que não
podemos “semear a discórdia” no seio da instituição família. Essa afirmação é
um verdadeiro axioma! Porém, o único jeito de não incorrermos a discórdia é
instalar o silêncio como o que há de mais belo no convívio entre pais, filhos e
irmãos. A fórmula não traz nada de mais rebuscado: para que não haja
antagonismo, basta não discutir. A democracia definitivamente não é um manual
seguro das famílias felizes. Talvez, isso decorra da espontaneidade dessa
união, afinal, ninguém escolhe berço, somos compelidos a fazer parte de um laço
de sangue e não adianta renegá-lo ou se revoltar. Nas relações mais superficiais,
embasadas no gosto (aquelas do grupo de amigos), nossa moral dispõe o poder de
tomar decisões utilitaristas, ou seja, só é meu amigo quem eu quero e ponto
final. Evidentemente, há uma busca pelo que é parecido conosco, e, nesse
âmbito, aprendemos o amor ao diferente e o ódio ao que é nossa imagem e
semelhança. O diferente causa desconforto e o nosso espelho só traz tédio.
Minha maior destreza no convívio é a observação. Já falei
aqui que sou exímio observador (sem falsa modéstia, essa é a maior virtude
dos imbecis) e já que tenho essa prerrogativa, aprecio cada movimento como se
fosse uma obra de Renoir. Essas minhas impressões não são apenas jactâncias,
antes disso, as extraio de um olhar tragicômico da rotina, mas não sem antes
muito exercício para me poupar de equívocos tolos. Apesar disso, não quero dar
exemplos empíricos do que escrevo: você que tire o traseiro da cadeira e vá ver
se o que digo não é fidedigno.
Enfim, dizia eu que o diferente é desconfortável. Adoramos
esse pequeno caos, e a solidez do elo entre amigos só se constrói por ele.
Amigos precisam: discordar, brigar, trocar socos algumas vezes e pedir perdão.
Quando é com nossa mãe, sabemos que a luta já começou perdida, por isso nos
resignamos: quantas vezes não “deixamos pra lá” só para não termos a pachorra
de eclodir um conflito mais sério? Isso é o amor no ar: não há nada mais bonito
no âmbito dessa relação do que uma mesa de jantar com pessoas que não se falam:
ali há paz, há união e não sobra uma palavrinha em nome da discórdia. Bela
família cristã!
No fundo só queremos ter motivos para odiar, e, é aí que
caímos como quem se joga de um prédio se estatelando na superfície, no campo da
amizade e das paixões.
Uma hora (o cotidiano sempre nos mostra) vemos o esqueleto
revestido de carne de nossos heróis. Espanto! Eles são feitos da mesma matéria
que meus pais? Sim, e pior: não serão submissos só para não causar ruptura na
corrente amistosa. Pronto: agora o bate boca fará parte da amizade e será tão
aglutinador quanto o silêncio em família. Sem troca de farpas a relação fica
insossa e perde graça, causando um afastamento natural das partes.
Um filme interessante do cinema mainstream é o longa do diretor Doug Liman: "Mr and Mrs Smith". Um
roteiro hollywoodiano de ação, mas que mostra um olhar perspicaz acerca de um
casamento incipiente. No começo, o casal, interpretado por Brad Pitt e Angelina
Jolie, vive frequentando terapia por não suportar a chatice do American Way of
Life, quer dizer: ter uma casa própria, um trabalho sólido e viver na mais
perfeita harmonia do lar. Quando a separação precoce se mostra iminente, ambos
descobrem a identidade secreta do par (essa parte não importa, é uma daquelas idiotices,
tipo: pular de helicópteros dando tiro). Em meio a um tiroteio, o casal se
reencontra e reacende a paixão de outrora.
Esse filme não deve nada a uma terapia de casal. O
importante é vermos que a relação entre amigos, namorados e casais incipientes,
precisa de um elemento explosivo que se evade da esfera racional.
Nesse mercado que tudo vende e tudo passa por cima, têm
gente querendo mercantilizar fórmula de bolo para pais, filhos e amigos. O pior
é que há pessoas dispostas a comprar. É a velha história: “vamos ser amigos
felizes”, “amigos não mentem uns para os outros”, “é hora de discutir sexo com
nossos pais”, “meu pai é autoritário e não me escuta”, blá, blá, blá...
Prefiro a tempestade da rua e a calmaria do meu sofá.
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