Meus dois mais recentes textos, A Mentira Anônima e Rhythm
Is Our Business, se encontraram numa esquina. O diálogo culminou num
diagnóstico do nosso tempo, não geral, mas bem específico. O primeiro deles
discorria sobre a legitimação de comportamento, um verdadeiro pedantismo sobre
psicanálise; o segundo, falava sobre o acumulo de experiências. Mas qual o
ponto fixo de encontro dessas problemáticas? Já lhes digo. Antes disso quero
falar sobre sucesso, seja ele qual for.
O estupendo Fernando Pessoa desabafara em um de seus geniais
poemas, não recordo o nome (sou um vagabundo intelectual) o seguinte verso:
“estou cansado de semi-deuses.” Quem não está? A coisa mais insuportável do
mundo é reencontrar um amigo das antigas. Geralmente, se estiver na lama, ele
vai contar um monte de mentiras; e se estiver por cima da carne seca, me
perdoem o clichê, vai contar a verdade. Porém, a mentira do fracassado e a
verdade do bem sucedido serão as mesmas: o sucesso. O amigo que não dispor de
tanta destreza assim para mentir ou para ganhar dinheiro (quase sempre o meu
caso) voltará para casa, arruinado pela inveja.
Ora essa, porque as pessoas têm que sempre contar vantagens?
Por isso que digo que a inveja é uma forma sadismo: mesmo sabendo que é um
sofrimento, queremos que o outro a tenha por nós.
É muito desconfortável encontrar uma pessoa melhor do que
você, dá vontade de matá-la, mas quase sempre construímos um discurso embasado
nos defeitos morais dessa pessoa para rebaixá-la. É como aquela história:
“ele tem dinheiro, mas não tem caráter”, mas quem liga pra isso? Ninguém se
importa com valores éticos na hora de conseguir uma grana, mas se não
conseguimos, blasfemamos quem o fez. Um outro exemplo típico da coisa, mais
contemporâneo e familiar a minha geração, é o funk, mais precisamente, o
chamado: “funk ostentação”. Recentemente comecei a me perguntar a razão pela
qual esse estilo incomoda tanto as pessoas. Cheguei a algumas conclusões:
Primeiro, quase todas as pessoas são invejosas, elas sentem inveja até pelo
mais ínfimo sucesso do vizinho, imagina só por caras que aparecem em clipes
com: dinheiro, carros importados, casas de praia, correntes de ouro e mulheres
gostosas. Segundo, motivo já citado acima, quando se tem inveja é necessário
criar um argumento, geralmente moral, contra o seu alvo. Nesse caso, argumentos
é o que não faltam: a música efetivamente é uma porcaria, e muitas vezes
adversa a valores cinicamente impostos, por exemplo: apologia sistemática ao
crime organizado. Observação: não faço juízo de valor, portanto não pense que
estou formulando criticas.
Agora sim, volto ao ponto de encontro dos meus ensaios. No
meu segundo texto (Rhythm Is Our Business), dizia eu que o ser humano busca
experiências extremas, acho que isso já é o bastante. No primeiro, conjeturei
sobre legitimação de comportamento, mas necessariamente perante os olhos
humanos. O intercurso é exatamente esse: também é preciso tornar legitima a sua
experiência de intensidade. Se ninguém souber que viajei para um vilarejo no
interior da Etiópia para observar o modo de vida de sua população, qual seria o
sentido dessa aventura? E se eu for ao show de uma banda de rock sozinho (coisa
que eu mesmo fiz no ano passado)? Não há significado, ou só há pra você, o que
não é muita coisa. Mas agora a tecnologia está ao nosso favor, e, é aí que o
estado de zumbi da minha geração se aflora. Não há nada que um Instagram não
resolva. Eu nem sabia o que era esse diabo, mas de tanto ouvir falarem sobre,
fiquei sabendo que é um troço no qual você tira fotos e as envia de forma
instantânea ao seu perfil nas redes sociais. A conclusão já é evidente: você
tem uma experiência, como no meu segundo texto, e a legitima, como no primeiro.
Você vai à um restaurante chique com a sua namorada, em seguida posta uma foto,
assim todos os seus amigos morrem de inveja.
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